1 de dezembro de 2023

Qual é o futuro do café filtrado?

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A inovação está em todos os âmbitos dos cafés especiais. Muitas características do mercado estão em constante mudança e evolução, e tanto os profissionais do setor quanto os consumidores precisam acompanhá-las.

Isso inclui os métodos filtrados de preparo. Nos últimos anos, vimos algumas mudanças importantes na forma como as cafeterias e os participantes de torneios preparam os pour overs, na maioria das vezes, com um foco abrangente no controle do maior número possível de variáveis de extração.

Alinhado a isso, podemos encontrar uma gama cada vez maior de cafeteiras manuais e automáticas hoje em dia – com alguns modelos projetados para impactar as variáveis de métodos de preparo de diferentes formas. Portanto, está claro que o café está mudando e cabe perguntar: o que o futuro reserva?

Para descobrir, conversei com Dušan Matičič, o principal torrador da  GOAT STORY, Carlos Medina, barista e campeão da World Brewers Cup de 2023, e Erik Freudenberg, Brewers Cup Alemanha de 2023. Continue lendo para obter mais informações sobre eles.

Você também pode gostar do nosso artigo sobre o futuro do café espresso.

xícara de café ao lado de uma chemex

Uma breve história dos cafés filtrados

Em todo o mundo, o café filtrado é bastante popular. Em alguns países e regiões, o consumo de café com filtro remonta a séculos:

  • em países latino-americanos como a Costa Rica, muitas pessoas ainda usam gotejadores tradicionais de madeira e filtros de pano (ou bolsitas);
  • o café Touba (ou café Sufi), que é preparado de forma semelhante ao filtrado, é comum no Senegal e em outros países da África Ocidental.

Um dos precursores na evolução do preparo de cafés filtrados, no entanto, foi o lançamento da marca Melitta no início dos anos 1900. Depois que Melitta Bentz criou um método de preparo usando uma panela de latão e um filtro, a marca Melitta se tornou uma das primeiras a vender filtros de papel. E isso revolucionou a forma de filtrar café.

Depois disso, muitas outras empresas começaram a projetar diferentes formas de preparar café. Em 1941, o cientista alemão Peter Schlumbohm inventou a icônica Chemex. Essa cafeteira ficou conhecida como”um dos produtos mais bem projetados dos tempos modernos” pelo Instituto de Tecnologia de Illinois.

Em 2004, a empresa japonesa Hario projetou sua revolucionária porta filtro V60. Rapidamente, ela se tornou mais popular em cafés especiais após a World Brewers Cup de 2010. O Kalita Wave com fundo plano, por sua vez, foi lançado oficialmente em 2010 pela marca japonesa Kalita Co. E isso também ajudou a elevar ainda mais o nível dos métodos de infusão.

Método de extração GOAT Story Gina

Como o preparo do café filtrado mudou?

Ao longo da última década, o número de acessórios manuais para preparo de café disponíveis no mercado só continuou a crescer. Embora o V60 ainda continue sendo um dos métodos mais populares, agora, há diversos acessórios para a extração do café filtrado, como Origami, GINA, Graycano e Orea..

Dada a crescente diversidade de acessórios, as técnicas de preparo também estão mudando. Um dos desenvolvimentos mais notáveis tem sido uma ênfase muito maior na precisão e no controle do maior número possível de variáveis de extração. Efetivamente, o café especial tornou-se mais “científico” sobre o preparo de café filtrado (e espresso), o que ajudou a aprofundar nossa compreensão de como certas variáveis de preparo afetam a extração.

Erik, que também trabalha meio período como barista e é um ávido bebedor de café em casa, explica como as pessoas se tornaram mais dispostas a experimentar diferentes variáveis. “Agora sabemos mais sobre quantas variáveis diferentes afetam a extração do sabor, por isso nos sentimos mais confortáveis para brincar com elas”, diz.

A influência dos métodos de processamento experimentais

Desde o início dos anos 2000, o café especial desenvolveu uma clara preferência por cafés de origem única – o que também influenciou os métodos de filtragem. Nos anos mais recentes, no entanto, a crescente popularidade dos métodos de processamento experimental também está mudando as regras do jogo.

Dušan torra café para A GOAT STORY, que fabrica o acessório GINA. Este acessório – que ficou famoso por ser usado pelo campeão da World Brewers Cup de 2018, Emi Fukahori – utiliza três métodos diferentes de extração (incluindo imersão total, derramamento e gotejamento frio) girando uma válvula localizada na parte inferior.

“Quando penso em seis anos atrás, como indústria, estávamos muito mais focados em cafés lavados, limpos e autênticos”, diz ele. “Os filtrados ainda são o método de preparo preferido para melhor destacar essas características. Hoje, no entanto, a diversidade de métodos de processamento é muito maior. Isso ajuda a dar vida aos cafés. Com cafés com perfis de sabor mais intensos, você precisa ajustar suas receitas de preparo” Acrescenta..

“De modo geral, é simplesmente uma questão de como suavizar ou aumentar a complexidade”, continua Dušan. “Isso pode ser feito de muitas maneiras, desde experimentar diferentes acessórios até experimentar diferentes tamanhos de moagem.”

Carlos concorda e explica como ele ajusta suas receitas de preparo de filtrados com base no método de processamento usado. “Os cafés fortemente fermentados são mais sensíveis, então você tem que adaptar sua receita”, ele diz. “Por exemplo, torrei e preparei cafés que foram fermentados por até 720 horas. Neste caso, tive que moer mais grosso e usar uma temperatura de infusão mais baixa para evitar a extração de sabores indesejáveis.”

Blends

Apesar de origens únicas dominarem o mercado de cafés especiais, os blends tiveram uma espécie de retorno nos últimos anos. Embora associemos principalmente blends a sabores mais adequados aos bebedores tradicionais de café, tem havido um interesse renovado em blends de maior qualidade – inclusive em competições. Isso foi mais perceptível nos campeonatos World Barista e Brewers Cup de 2021:

  • por exemplo, o  campeão da World Brewers Cup Champion de 2021, Matt Winton,  usou um blend 60:40 de Coffea eugenioides naturalmente processado, da Finca Inmaculada na Colômbia e de Catucaí lavado da Hacienda La Florida no Peru;
  • enquanto isso, Andrea Allen e Hugh Kelly, que respectivamente ficaram em segundo e terceiro lugar no WBC de 2021, usaram blends que incluíam eugenioides;
  • além disso, o competidor japonês do WBC de 2022 Takayuki Ishitani – que ficou em quarto – usou uma mistura de robusta e uma Gesha fermentada anaeróbica em sua rotina.

Simplificando, o processo de desenvolvimento de blends passou a considerar a criação de novas experiências de sabor. “Os cafés de origem única são uma ótima maneira de mostrar como o terroir e o processamento afetam o perfil final da xícara, mas os blends podem criar sinergia entre diferentes cafés e oferecer algo verdadeiramente único”, diz Carlos.

Considerando que diferentes cafés têm diferentes níveis de solubilidade, os blends afetam certamente as receitas – o que significa que precisamos ajustar as variáveis de preparo de acordo para obter os melhores resultados. Erik usou um blend para sua rotina de 2023 no WBrC, dizendo que criou um dos cafés mais memoráveis que ele já provou. “Acho que chegamos a um ponto em que origens únicas se tornaram tão boas por si mesmas que, para criar uma experiência ainda melhor, começamos a misturar vários cafés excepcionais”, diz ele. “Os blends podem mudar completamente nossa percepção de sabor.”

Barista despejando água durante o preparo de um café filtrado

Diferentes acessórios, diferentes extrações

Ao preparar filtrados, a ênfase está muito na “experiência” de fazer café – semelhante ao movimento gastronômico Slow Food. Essencialmente, preparar um café filtrado manualmente permite que você aproveite o momento e fique totalmente imerso no processo. 

Com tantos acessórios de preparo disponíveis hoje em dia, cafeterias, consumidores e competidores precisam mudar suas receitas de acordo para obter os melhores resultados. Fatores como a forma, o design e o material de diferentes acessórios influenciam como o café é extraído. “Cada modelo de acessório terá um efeito na extração – seja melhorando certas qualidades ou facilitando a preparação de cafés específicos”, diz Carlos. 

Por exemplo, as nervuras ou ranhuras de um acessório (bem como o número de nervuras que possui) afetará significativamente a taxa de fluxo. O V60 tem nervuras em forma de espiral que ajudam a evitar que o filtro grude nas paredes do acessório – e, assim, garantindo uma taxa de fluxo mais uniforme.

Em comparação, o acessório Orea V3 tem apenas quatro nervuras na base – o que significa que a taxa de fluxo é muito mais rápida. Para obter os melhores resultados entre esses dois acessórios, é importante alterar várias variáveis de preparo, como tamanho da moagem, temperatura da água e nível de agitação, entre outras.

Extração de café filtrado em uma Kalita

O papel da automação

Embora os acessórios manuais de preparo de cafés filtrados tenham evoluído significativamente nos últimos anos, tem sido difícil ignorar como a automação moldou o preparo de café com filtro a longo prazo. Juntamente com a abordagem mais científica da extração filtrada, mais e mais cafeterias começaram a usar o poder da automação para servir café filtrado de alta qualidade. 

Os sistemas automatizados de infusão podem gerenciar uma série de variáveis – como tempo de infusão, temperatura e dispersão de água – com muito mais precisão do que os humanos. “Em uma cafeteria, as cafeteiras automatizadas definitivamente apresentam vantagens sobre os baristas”, diz Erik.

Elas não apenas ajudam os baristas a ter mais tempo para se concentrarem em outras tarefas, mas também aumentam maciçamente a consistência da extração. Por sua vez, quer você a adote ou não, a automação desempenhou um papel fundamental na melhoria da qualidade do café.

Da mesma forma, agora mais do que nunca, os consumidores também estão recorrendo a soluções automatizadas de preparo de café em casa. Vimos cada vez mais empresas e marcas projetarem sistemas automáticos de preparo de café filtrado de alta qualidade com vários recursos. Entre eles, funções de pré-umedecimento e blooming (formação de bolhas de ar na superfície do café moído quando se adiciona a água quente.

Barista durante apresentação na World Brewers Cup

Qual é o futuro do café filtrado?

Dada a rápida taxa de inovação em cafés especiais, a infusão pode mudar de várias maneiras nos próximos anos. “Estamos vendo um interesse crescente em filtrados”, diz Dušan. “As pessoas continuam a explorar novas formas de preparar café, incluindo como destacar diferentes sabores.”

Carlos acredita que, à medida que o conhecimento da indústria sobre extração continua a se aprofundar, o café filtrado continuará a evoluir. “De cafeteiras automatizadas a híbridos e sem bypass, o café filtrado certamente evoluirá.”

Erik também concorda, dizendo: “Veremos mais ferramentas, acessórios e técnicas super-especiais, e também obteremos uma compreensão ainda melhor do impacto de diferentes acessórios no sabor do café. Acho que também nos tornaremos mais engenhosos em nossa busca do aperfeiçoamento do preparo de café Eu simplesmente espero que o café filtrado se torne ainda melhor no futuro.”

Detalhe do filtro GOAT Story Gina

O café filtrado percorreu um longo caminho ao longo do século passado ou mais. E com uma gama cada vez maior de acessórios manuais e automáticos – bem como receitas em evolução e uma compreensão mais profunda das variáveis de extração – é certo que ele continuará mudando.

“Há tantas variedades a serem redescobertas ou cultivadas, então o futuro do café filtrado é brilhante”, conclui Dušan. “E com o impacto das mudanças climáticas potencialmente levando ao surgimento de novas origens, isso poderia trazer uma nova dimensão para o café.”

Gostou? Em seguida, leia nosso artigo sobre a história dos métodos de preparo manual.

Créditos das fotos: Sinan Musly, SCA Germany, Specialty Coffee Association, World Coffee Events, GOAT STORY

Tradução: Daniela Melfi. 

PDG Brasil

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