24 de novembro de 2023

O que o café especial significa em diferentes locais do mundo?

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Nos últimos anos, vimos claramente que o café especial está se tornando cada vez mais popular em todo o mundo. Embora os EUA e a Europa continuem sendo dois dos maiores mercados, o consumo de cafés especiais também está aumentando significativamente na região Ásia-Pacífico. Além da expansão constante do mercado na América Latina e na África.

Objetivamente, definimos “café especial” através de uma pontuação de 83 pontos ou mais na escala de 100 pontos da Specialty Coffee Association. Juntamente com a qualidade, há uma série de características definidoras mais holísticas dos cafés especiais, como sustentabilidade, rastreabilidade e transparência.

Mas dado que o consumo está aumentando em todo o mundo, também é justo supor que a definição de café especial está evoluindo. Agora, influenciados por muitos fatores sociais e culturais diferentes, profissionais do setor e consumidores começaram a desenvolver seu próprio relacionamento pessoal com esses cafés. Para descobrir o que o café especial significa para diferentes pessoas em todo o mundo, conversei com três profissionais do setor. Continue lendo para saber mais.

Você também pode gostar do nosso artigo sobre se os torrefadores de cafés especiais nórdicos ainda são tão inovadores quanto antes.

xícara preta sobre a grelha de uma máquina de espresso

Apesar de sua menor participação no mercado, é inegável que o setor global de cafés especiais esteja crescendo. Mas, de longe, o crescimento está mais evidente nos EUA, Europa e Ásia-Pacífico.

Vamos olhar para os EUA primeiro. Em 2022, uma pesquisa da National Coffee Association descobriu que o consumo de café havia atingido seu pico em 20 anos. Ao mesmo tempo, 43% dos consumidores entrevistados relataram ter bebido uma bebida de café especial no dia anterior. Isso representa um aumento de 20% em relação a janeiro de 2021. Além disso, alguns números preveem que o mercado norte-americano de cafés especiais crescerá 20% ao ano até 2030. Isso o tornaria o mercado que mais cresce no mundo.

A Europa, por sua vez, é um dos mercados consumidores mais importantes do mundo. velho continente tem atualmente a maior participação no mercado global de cafés especiais, com cerca de 46,2%. Espera-se que seu crescimento de mercado também aumente 9% nos próximos três anos.

Detalhando o consumo regional de cafés especiais

Embora seja um dos mercados mais importantes, a popularidade do café especial na Europa é incrivelmente difícil de generalizar. Isso porque o continente é composto por diversos países culturalmente muito distintos entre si. 

A Escandinávia é pioneira global na cultura de cafés especiais, por exemplo. Graças aos profissionais da indústria em países como Noruega, Dinamarca, Suécia e Finlândia no final dos anos 90 e início dos anos 2000, o café especial tornou-se popular em mais e mais países ao redor do mundo. Além disso, ano após ano, os países nórdicos geralmente lideram as listas de maior consumo de café per capita. 

Com mais de 80 torrefações em um país de cerca de 5,4 milhões de pessoas, é evidente que o café especial é uma parte predominante da cultura norueguesa. E de acordo com Joanne Berry, chefe de compras da impotadora de cafés  Tropiq, há muito poucos lugares no mundo que bebem tanto café como na Noruega. “É claro que os noruegueses bebem café de maneiras diferentes, mas a maioria deles prepara café em casa”, diz.

“Em qualquer tipo de evento familiar ou social, os noruegueses sempre servem café – e as pessoas o tomam puro”, acrescenta. “Na Noruega, é tão normal beber café puro, o que significa que você pode saborear mais das características inerentes ao café.”

E quanto ao crescimento nos países produtores?

Geralmente, quando comparado aos países consumidores, o consumo de café especial é consideravelmente menor nas regiões produtoras.  Este é o resultado da estrutura histórica do comércio global de café, além de grande parte do marketing ocorrer em países consumidores. No entanto, nos últimos anos, o consumo doméstico de café tem crescido em vários países produtores importantes como:

Com a crescente, apesar de lenta e constante, participação de baristas africanos em competições de café, o consumo de café especial provavelmente aumentará na Uganda e em outros países produtores de destaque.

Um olhar para a América Latina

Patrick O’Malley é o fundador da International Barista and Coffee Academy, nos EUA. Ele explica que, ao longo de suas viagens à América Latina nos últimos anos, percebeu que a cultura do café especial se tornou mais significativa na região. “Agora, se você for a países como Honduras, Colômbia, Brasil, México, encontrará cada vez mais cafés especiais de alta qualidade”, diz.

Fabrizio Sención é o proprietário do PalReal em Guadalajara, México. Ele também é um dos fundadores da 5PM, a primeira cafeteria especializada de Guadalajara, e foi finalista do World Barista Championship de 2015. Ele explica como os torrefadores na origem estão mudando suas práticas de compra para acomodar o aumento da demanda por cafés especiais. “Anteriormente, todos os cafés de maior pontuação cultivados no México eram destinados à exportação. Mas agora, muitos desses cafés são consumidos aqui mesmo.”

Mãos de um barista durante a compactação do café no porta-filtro para extração de um espresso

Os padrões da indústria e as diferenças culturais

A indústria de cafés especiais é frequentemente definida por padrões de referência estabelecidos por países como Noruega, Japão, Dinamarca, Austrália, Coreia do Sul e Nova Zelândia. Com o café especial se tornando mais popular em todo o mundo, no entanto, fica claro que as definições podem mudar conforme o país.

Por exemplo, na América do Norte e em certos países asiáticos, alguns consumidores preferem perfis de torra médios (ou até mais escuros). “Algumas pessoas querem o sabor tradicional do café ‘forte’ porque é o que estão acostumadas”, diz Joanne. Enquanto isso, Patrick ressalta que apesar de haver muitos cafés especiais nos EUA, muitas pessoas ainda optam por adicionar leite e adoçantes para saborear a bebida.

Como um dos dez maiores países importadores do mundo, os torrefadores no Japão tendem a ter torras mais escuras. As cafeterias japonesas tradicionais (ou kissatens) também preferem café filtrado ao café espresso. Essencialmente, isso significa que, embora as estratégias de marketing e branding de cafés especiais pareçam ser as mesmas em todo o mundo, as diferenças culturais ainda influenciam o comportamento do consumidor.

O papel da nova Avaliação de Valor do Café desenvolvida pela SCA

Ao mesmo tempo, no entanto, os padrões e protocolos da SCA também afetam como definimos o café especial. Atualizados no início deste ano para mitigar a “intersubjetividade” do cupping, esses processos são usados para classificar e avaliar a qualidade do café verde. “A pontuação objetiva é necessária e importante para o setor de cafés especiais”, explica Joanne. “Isso ajuda a comunicar qualidade tanto aos torrefadores quanto aos produtores, bem como aos consumidores.”

Dito isso, pode ser difícil contextualizar os padrões da indústria em diferentes culturas de cafés especiais em todo o mundo. Um dos exemplos mais impotantes são as críticas à roda de sabores para provadores de café da SCA. Este recurso é amplamente voltado para os paladares ocidentais. Por sua vez, profissionais locais do café em países como Taiwan e Indonésia começaram a desenvolver seus próprios recursos.

Xícara de cappuccino com latte art sobre uma bancada

O papel das diferenças culturais no café especial

As definições objetivas de cafés especiais ainda são importantes. No entanto, para traders e torrefadores, Joanne explica que existem muitos fatores que influenciam as decisões de compra. “Tem muito a ver com a relação que já existe com o produtor”, diz. “Também sobre cafés interessantes e o estabelecimento de parcerias que fornecem valor para nós e nossos parceiros nos países produtores.” 

Patrick, por sua vez, ressalta que algumas características quantificáveis do café especial muitas vezes não beneficiam tanto os profissionais da indústria nos países produtores. “O termo ‘especialidade’ pode ser distorcido de muitas maneiras”, diz ele. “Se você olhar para a classificação verde, é difícil encontrar cafés que tenham zero defeitos primários em uma amostra de 350g.”

“Ao analisar os padrões da SCA para a torrefação e o preparo de café, não há diretrizes concretas”, ele acrescenta. Além disso, as preferências culturais por diferentes perfis de torrefação também mudam as definições pessoais de café especial. “Se você torra um café com um perfil de torra mais escuro, o café é especial? Eu, pessoalmente, discordo”, diz Patrick – presumivelmente porque os perfis de torrefação mais escuros nem sempre permitem que as características inerentes ao café sobressaiam.

Novas maneiras de definir os cafés especiais

Se quisermos combinar padrões objetivos e subjetivos, poderíamos considerar outras maneiras para definir o café especial. Patrick sugere a introdução de um sistema de guia com estrelas Michelin para torrefações e cafés, que poderia informar de forma mais consistente os consumidores sobre quais empresas servem café especial – e também manter a qualidade em toda a cadeia de suprimentos.

No entanto, abordagens como essa podem aumentar a já incômoda elitização do café especial e potencialmente afastar certos consumidores. “Temos que dar espaço para outras preferências de mercado e diferentes tipos de paladares, para que também possamos definir o que o café especial significa para diferentes pessoas”, diz Joanne.

café sendo preparado num filtro de papel, visto de cima -- café especial pelo mundo

Ter padrões quantificáveis e verificáveis em todo o setor é vital para o crescimento do café especial – como também para nossas expectativas em relação ao setor.

Mas, considerando que o café especial está se tornando mais popular em todo o mundo, precisamos permanecer ágeis e flexíveis com nossas definições – e entender como os padrões estão mudando.

Gostou? Em seguida, leia nosso artigo sobre como detalhar as diferenças entre o consumo de café nos EUA e na Europa.

Tradução: Daniela Melfi

PDG Brasil

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