Segredos da moagem de café. Por que alguns grãos são mais difíceis de moer do que outros?
Há muitas coisas que devemos considerar ao moer o café, incluindo origem, perfil de torra, método de processamento e método de preparo. Cada característica deve informar o quão grosso ou fino seu café deve ser para uma extração ideal. Mas há alguns segredos da moagem de café que podem ser interessantes você conhecer.
Cada grão se comporta de maneira ligeiramente diferente quando é moído, por vários motivos. Alguns grãos são mais difíceis de moer manualmente, enquanto outros podem demorar mais em moinhos automáticos, por exemplo.
Para entender mais sobre por que certos grãos podem ser mais difíceis de moer do que outros, conversamos com Monika Fekete, química sênior e especialista em café da Breville, e Jordan Markezich, especialista em suporte na Baratza. Continue a ler para descobrir o que eles disseram.
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Explorando a fragilidade do grão
Em primeiro lugar, vendo como é difícil moer certos grãos, precisamos diferenciar entre densidade do grão e fragilidade do grão. Esses dois conceitos são distintos, mas muitas vezes confundidos. Este é um dos segredos da moagem de café que valem a pena saber.
“A densidade do grão é o peso de um único grão de café dividido pelo seu volume”, conta Monika. “Muitas vezes usamos densidade aparente, onde o peso de um balde cheio de café (sem o balde) é dividido pelo volume do balde.”
Os grãos de café de maior densidade tendem a conter níveis mais elevados de açúcar, o que pode ser explicado pela fase prolongada de desenvolvimento do grão.
Em altitudes mais elevadas e em temperaturas mais frias, a atividade celular do café diminui, proporcionando mais tempo para a semente absorver os açúcares do fruto ao seu redor. A densidade mais alta costuma ser vista como mais desejável.
“No entanto, a densidade do grão por si só não é responsável pela facilidade de moer um determinado café”, acrescenta Monika. “Isso é devido à fragilidade.”
A fragilidade muda quando um grão de café é torrado. Por exemplo, Monika diz: “Café verde é quase impossível de ser moído com um moedor de café típico, enquanto torras mais escuras geralmente deslizam com pouco esforço”.
Os grãos verdes têm estruturas celulares compactas. No nível celular, os vacúolos do café verde (câmaras circundadas por membrana que contêm nutrientes e mantêm o equilíbrio da água na célula) são fortes e rígidos.
No entanto, durante a torrefação, a água evapora e as células aumentam de tamanho. São formados buracos na estrutura celular que fazem com que a estrutura do grão se enfraqueça, tornando-se mais quebradiça.
Monika explica que densidade e fragilidade raramente estão relacionadas. “Em geral, densidade tem pouco a ver com fragilidade”, ela me diz. “O vidro é denso, mas quebradiço; uma esponja de lavar louça é leve, mas quase impossível de quebrar.”
O que acontece quando os grãos são moídos?
“Para quebrar os grãos de café em pedaços menores, as rebarbas (discos) do moedor precisam introduzir fraturas na estrutura do grão”, conta Monika.
De acordo com o Dr. David Hoxley, professor de física na La Trobe University, os discos de moagem aplicam “dois tipos de força ao grão: forças compressivas esmagam os grãos, enquanto as forças de tração, cisalhamento e torção os separam”.
A força compressiva ocorre quando os grãos são empurrados para baixo ou comprimidos, enquanto a força de tração ocorre quando são puxados. A força de cisalhamento ocorre quando uma superfície é puxada em duas direções opostas ao mesmo tempo e a força de torção ocorre quando um objeto é torcido.
Os moedores de discos usam essas quatro forças ao mesmo tempo em várias rebarbas para moer o café torrado em uma variedade de tamanhos.
“Conforme a força é aplicada, o grão se estica ou encolhe, agindo efetivamente como uma mola”, diz Monika. “Isso acontece até sua resistência acabar e ele se quebrar.”
“Antes do ponto de ruptura, o grão [na verdade] volta à sua forma original se a força for removida, por causa da sua elasticidade.”
Ela também observa que, apesar de parecer contraditório, os materiais podem ser frágeis e elásticos ao mesmo tempo.
“Os materiais frágeis vão do elástico à quebra muito rapidamente”, diz Monika. “Por exemplo, o vidro entorta um pouco, mas depois se estilhaça se você começar a comprimi-lo. A deformação é invisivelmente pequena, mas eventualmente quebra.”
Como a torra afeta a fragilidade?
A torra tem o maior impacto sobre a fragilidade do grão, graças às grandes mudanças que ocorrem na estrutura celular do café durante o processo.
“A torrefação torna as paredes das células do grão quebradiças, em parte devido à desidratação”, conta Monika.
O calor e o fluxo de ar são usados no torrefador para reduzir a quantidade de água e secar os grãos. Conforme os grãos secam, eles se tornam mais quebradiços.
“Quando a primeira rachadura acontece, o vapor, o CO2 e os voláteis dentro da célula aumentam a pressão, fazendo com que as paredes das células se comprimam umas contra as outras e, eventualmente, se rompam”, acrescenta Monika.
“Romper a parede celular é essencial; abre as células, permitindo que a água entre e dissolva os nutrientes da planta, que se transformam em compostos de sabor característicos.”
Monika continua dizendo que conduziu pesquisas sobre os vários estágios diferentes da torrefação e seu impacto na fragilidade do grão.
Seus estudos descobriram que o tamanho médio das partículas do café logo após a primeira rachadura (crack) – o estágio em que o grão se expande rapidamente e perde água – era de 305 micrômetros. Em contraste, o tamanho médio das partículas para o café após a segunda rachadura (crack) – o estágio em que os óleos começam a se mover em direção à superfície do grão – era de 120 micrômetros.
Isso mostra que uma torra mais longa aumenta a fragilidade do grão. Este é um dos segredos da moagem do café.
Monika também observa que a torrefação influencia tanto a densidade quanto a fragilidade, apesar de os dois fatores não estarem correlacionados.
“O grão perde peso durante a torra por causa da desidratação e da perda de um pouco de matéria orgânica, mas o volume não muda muito”, ela me conta. “Isso significa que a densidade do grão diminui ao longo de uma torra.”
Então, o que isso quer dizer?
“À medida que a torrefação avança, os grãos perdem peso e ficam mais desidratados”, diz Monika. “As paredes celulares [tornam-se] cada vez mais enfraquecidas por fraturas.”
Isso significa que, na mesma configuração de moagem, torras mais escuras terão moagens um pouco mais finas do que torras mais claras.
Jordan diz: “torras mais escuras são mais quebradiças do que torras mais claras e, como resultado, se quebram mais facilmente no moedor.
Isso tem um impacto sobre como o café extrai, como Monika diz: “Como uma torra mais escura pode produzir moagens mais finas do que uma torra mais clara (na mesma configuração de moagem), ela também irá extrair mais rapidamente.
Torras mais escuras também são mais solúveis e têm mais características que são tradicionalmente consideradas “ousadas” do que torras claras.
“Os aromáticos, açúcares e ácidos são mais voláteis em torras mais escuras e, portanto, mais fáceis de extrair”, diz Jordan. “Geralmente, você descobrirá que uma configuração de moagem mais grossa funciona melhor para cafés mais escuros.”
Como você deve ajustar sua moagem?
Embora o tamanho seja definitivamente o fator mais importante a se considerar ao selecionar o grau de moagem, observar o perfil de torra e a fragilidade do café o ajudará a obter o sabor desejado na xícara.
Solubilidade e fragilidade reduzidas significam que torras mais claras devem ser moídas ligeiramente mais finas para aumentar a área de superfície do café. Isso permitirá que mais compostos aromáticos sejam extraídos.
Como as torras mais claras são menos quebradiças, eles também levarão mais tempo para moer (e mais esforço se você estiver usando um moedor manual). Embora a diferença seja pequena, pode ser perceptível quando você está regulando um espresso, por exemplo. Ou seja, é importante atentar a alguns outros segredos da moagem de café.
No entanto, Jordan me disse que esse período de moagem estendido não é realmente algo com que se preocupar. “Desde que o processo de moagem não demore vários minutos ou mais, os aromáticos não serão comprometidos.
“A maior parte dos aromas do café permanece intacta por cerca de cinco minutos depois que o café é moído”, acrescenta. “No entanto, deixar o café moído por muito mais tempo do que isso fará com que parte da vivacidade e da complexidade do café se perca.”
Do ponto de vista da manutenção do moinho, grãos mais quebradiços também são tecnicamente “melhores” para seus discos (mós), o que significa menos desgaste. Torras mais claras podem fazer com que os discos se desgastem mais rapidamente, mas é provável que isso não seja tão perceptível e não faça uma grande diferença.
Torras mais escuras, no entanto, geralmente produzem uma moagem mais fina porque são mais frágeis e podem entupir os moedores mais rapidamente. Por sua vez, isso pode afetar a distribuição de partículas e, potencialmente, tornar sua extração menos uniforme.
No final das contas, se você estiver usando torras claras ou escuras, você deve limpar e verificar regularmente os discos do moedor para conter esses problemas.
Para concluir, Jordan e Monika contam que a fragilidade do grão não deve ser a nossa maior preocupação. “É importante provar para avaliar a xícara final antes de decidir sobre qualquer moagem ou ajustes de preparo”, recomenda Jordan.
“A receita de preparo continua sendo seu guia mais confiável para uma xícara consistente”, acrescenta Monika.
Embora a fragilidade do grão não deva ser uma grande área de preocupação para a maioria, não há dúvida de que a ciência envolvida é interessante e que é outro fator a ser ajustado em busca da extração perfeita.
Da próxima vez que você preparar uma xícara de café, pode ser que você queira avaliar o perfil de torra do café e ajustar a configuração de moagem de acordo. Afinal, preparar um café excelente significa ser receptivo até mesmo aos menores detalhes e fatores. Isso pode fazer uma diferença extra.
Gostou? Então leia nosso artigo sobre como usar o tamanho de moagem certo para o seu método de preparo.
Tradução: Daniela Andrade.
Créditos das fotos: Baratza.
PDG Brasil
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