20 de setembro de 2023

Há um foco exagerado na educação do consumidor de cafés especiais?

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Para muitos profissionais do setor, o acesso à educação é fundamental para melhorar continuamente uma série de fatores. Que vão desde a qualidade do café até perfis de torrefação, extração e atendimento ao cliente. Ao mesmo tempo, o interesse dos consumidores no tema também aumentou nos últimos anos. E isso ajuda a promover o conhecimento sobre cafés especiais.

É justo dizer que consumidores mais informados constituem uma parte muito importante para alcançar a verdadeira sustentabilidade na cadeia de suprimentos. No entanto, cabe questionar o quão interessados os consumidores realmente estão na educação sobre cafés especiais.

Por sua vez, também precisamos perguntar se cafeterias e torrefadores devem concentrar seus esforços em outros lugares. Para descobrir, conversei com as educadoras de café Silvia Graham e Dani Bordiniuc.

Você também pode gostar do nosso artigo sobre se o foco dos consumidores de café na educação continuará além da Covid-19.

Barista preparando um café filtrado

Como o café especial se relaciona com a educação do consumidor?

O objetivo geral da educação do consumidor de café é informar aos consumidores sobre o que realmente é o café especial, além de como prepará-lo nos métodos diferentes disponíveis.

Simplificando, o café especial pontua 80 pontos ou mais na escala de 100 pontos da Specialty Coffee Association (SCA). Esta pontuação é baseada em vários fatores, como a presença de defeitos nos grãos e atributos sensoriais (doçura, acidez, corpo etc.). Quem realiza essa avaliação geralmente é um Q-grader, profissional certificado e treinado para realizar essa tarefa.

Outros aspectos menos quantificáveis do café especial incluem rastreabilidade e transparência, além de práticas comerciais mais éticas e sustentáveis – incluindo o comércio direto. No mais, especialmente com torrefação e preparação de café, tende a haver mais ênfase no trabalho artesanal.

Silvia Graham é co-proprietária da Barista School na Romênia. Ela também é a Coordenadora Nacional da unidade da SCA na Romênia. Ela explica que alguns consumidores podem não estar totalmente cientes das definições mais amplas de café especial.

“Posso me surpreender com a falta de conhecimento, confusão e mal-entendidos que cercam o café especial, diminuindo assim seu valor”, diz ela. “Os torrefadores e as cafeterias precisam fazer sua parte para educar mais os consumidores.” Olhando especificamente para aqueles que trabalham em cafés especiais, há uma série de programas e oportunidades de treinamento mais formais. Elas incluem:

  • treinamento profissional de barista, como aulas de latte art;
  • treinamento de análise sensorial, incluindo qualificações de Q-grader;
  • oficinas de torrefação.
Barista School - educação do consumidor

Tipos de educação do consumidor de café especial

Existem muitas formas diferentes de educação do consumidor de café. Por exemplo, os consumidores de café podem participar de cursos, workshops e seminários, e também podem participar de sessões de degustação (que geralmente são gratuitas). Embora essas plataformas sejam tipicamente mais caras e demoradas do que outros recursos educacionais, elas geralmente são mais eficazes.

Outros recursos educacionais, por sua vez, incluem postagens em redes sociais, blogs e artigos. Embora sejam gratuitos e, portanto, mais acessíveis, são menos práticos do que as aulas e oficinas. Isso pode significar que sua eficácia varia um pouco.

Dani Bordiniuc é barista, criador de conteúdo de e consultor de café. Ele também é o criador da Brewing With Dani, uma plataforma educacional projetada para baristas caseiros e entusiastas do café.

Ele me diz que uma das maneiras mais eficazes de educar os consumidores é por meio de interações diretas. No nível mais básico, isso pode simplesmente envolver um barista falando com um cliente em uma cafeteria. Essencialmente, esse tipo de comunicação permite uma troca de informações direta, ao mesmo tempo em que cria uma conexão mais íntima.

A partir de sua experiência, Dani explica que geralmente começa suas sessões educacionais individuais com algumas perguntas. Ele diz que isso ajuda a avaliar o nível de conhecimento dos consumidores, bem como o tipo de equipamento que eles usam em casa. 

“A prioridade da educação do consumidor deve ser acertar os fundamentos”, ele me diz. “Por exemplo, os consumidores precisam entender a importância do uso de café fresco, bem como a qualidade da água e a uniformidade do tamanho da moagem, antes de mergulhar nas especificidades.”

Ao começar com os aspectos mais básicos da preparação do café, Dani diz que os consumidores podem desenvolver uma base mais forte para construir seu conhecimento sobre o café.

A importância da educação informativa e relacionável

Como forma de aumentar sua eficácia, Silvia e Dani concordam que os consumidores precisam se relacionar com as informações que recebem de recursos educacionais de cafés especiais. Isso pode ser feito de várias maneiras, como fornecer analogias, aludir a experiências pessoais e contar histórias.

“Com base na minha experiência como barista e gerente de cafeteria, as experiências sensoriais e a curiosidade desempenham papeis significativos na educação dos consumidores”, diz Dani. “A acessibilidade dos educadores de cafés especiais também é fundamental – a linguagem usada deve ser simples e relacionável”.

“Ao expor lentamente os consumidores a diferentes sabores e tipos de bebidas, eles se tornarão mais curiosos, interessados e abertos a experimentar coisas fora de sua zona de conforto”, acrescenta. “É um puxão, em vez de um empurrão.”

No entanto, há também o perigo de sobrecarregar os consumidores com excesso de informação. Sendo assim, é importante fornecer a quantidade adequada de informações para despertar seu interesse, respondendo a todas as perguntas necessárias.

Além disso, sentir-se intimidado também pode ser uma grande parte do motivo pelo qual alguns consumidores não estão abertos a saber mais sobre cafés especiais. Por sua vez, os profissionais e educadores do setor precisam garantir que os consumidores se sintam bem-vindos e confortáveis ao participar de aulas ou sessões de cupping.

“Qualquer mudança leva tempo”, diz Silvia. “Um consumidor não mudará de ideia se for obrigado, mas se você fornecer informações de uma maneira compreensível que conceda a ele o espaço para tomar suas próprias decisões, você poderá fazer a diferença.  “Um hábito é muito difícil de mudar e, como o último elo de uma longa cadeia de suprimentos, os baristas devem se lembrar disso ao educar os consumidores”, acrescenta ela.

Quais são os benefícios de educar os consumidores de café?

Em última análise, há muitos benefícios na educação do consumidor – tanto para os próprios consumidores quanto para o café especial em geral. 

Para os consumidores, especificamente, ter acesso a oportunidades educacionais de alta qualidade e mais formais amplia e aprofunda seu conhecimento sobre o café que bebem. Em teoria, isso lhes permite fazer escolhas mais informadas – e potencialmente comprar café de maior qualidade e mais sustentável. 

Além disso, também aumenta as chances de que eles continuem comprando cafés especiais no futuro. Ao se concentrar mais na educação do consumidor de café, as cafeterias e torrefações podem gerar mais vendas e continuar a crescer. Ao mesmo tempo, eles podem construir mais confiança entre eles e o consumidor. Em teoria, isso também levará à repetição do hábito.

Barista conversando com o cliente, um dos focos da educação do consumidor de cafés especiais.

O quanto os consumidores querem realmente ser educados sobre cafés especiais?

Muitos clientes também valorizam a conveniência e a velocidade do serviço em relação a outros fatores, como a qualidade do café. Isso pode significar que seu interesse na educação é um pouco limitado.

Por sua vez, muitas cafeterias e torrefações podem precisar segmentar mais nichos demográficos – incluindo millenials e a geração Z. Esta última, em particular, tem uma renda disponível estimada em US$ 360 bilhões. Além disso, eles são mais propensos a gastar em compras sustentáveis e éticas, além de investir em educação.

No entanto, também precisamos reconhecer que há limites para o crescimento da indústria global de cafés especiais. E, portanto, para a educação do consumidor de cafés especiais. Para permanecer sustentável e pagar preços mais altos aos produtores, o café especial precisa ser comercializado como um produto premium que vem com um preço mais alto.

Inevitavelmente, isso afasta muitos consumidores que podem não ter condições ou não estar dispostos a pagar mais por cafés especiais. Além disso, também precisamos ser realistas sobre os padrões de qualidade e explicar que nem todos estão interessados em beber café de alta qualidade. Por sua vez, é altamente improvável que essas pessoas também estejam abertas a pagar ou participar de programas de educação do consumidor.

A educação sobre cafés especiais é acessível o suficiente?

Investir na educação do consumidor de café pode ser um empreendimento de sucesso para algumas cafeterias e torrefações. No entanto, há fatores importantes a serem considerados quando se trata da acessibilidade de cafés especiais.

Como torrefadores e cafés pagam mais por café de alta qualidade, eles também precisam cobrar preços mais altos dos clientes. Naturalmente, isso pode excluir algumas pessoas que simplesmente não podem comprar cafés especiais.

Além disso, dada a recente desaceleração econômica e o aumento da inflação em muitos países ao redor do mundo, é justo supor que muitas pessoas interessadas em cafés especiais tenham menos renda disponível para gastar em produtos premium. Da mesma forma, eles podem ter ainda menos dinheiro para investir na educação sobre o café.

Olhando além dos mercados tradicionais

É justo dizer que, em alguns países do mundo, o mercado de cafés especiais é mais desenvolvido. Lugares como América do Norte, Europa Ocidental, Japão e Escandinávia têm uma cultura bastante sólida de cafés especiais.

Como resultado, a educação do consumidor de café nesses países também está relativamente bem desenvolvida. No entanto, em outras partes do mundo, o foco na educação sobre cafés especiais é visivelmente menor. Mas isso não quer dizer que seus respectivos mercados de cafés especiais não estejam crescendo a um ritmo acelerado.

Em toda a América Latina, por exemplo, o consumo de cafés especiais está aumentando em certos países. Usando o Brasil como exemplo, uma pesquisa da SCA afirma que a participação no mercado de cafés especiais do Brasil dobrou entre 2016 e 2018, de 6% para 12%. Da mesma forma, os mercados de cafés especiais na Colômbia e no México também cresceram nos últimos anos. Isso indica potencial para melhorar a educação do consumidor de café.

Em outros lugares, na Índia, embora o mercado seja relativamente jovem, o café especial está crescendo rapidamente. As gerações mais jovens agora são mais  propensas a beber café do que as anteriores, e também existem muitas marcas emergentes de cafés especiais no país.

A Europa Oriental e os países bálticos também estão começando a ver um aumento no consumo de café especial. Embora atualmente possam não ser predominantemente mercados consumidores de café especial, o potencial de crescimento certamente existe.

Ainda há muito foco nos mercados tradicionais?

Ao mesmo tempo, no entanto, é importante reconhecer que o formato geral e a estrutura da educação sobre cafés especiais estão amplamente focados em mercados consumidores mais “tradicionais”. Estes são principalmente países da Europa e América do Norte, bem como Austrália e Nova Zelândia.

Em última análise, isso significa que, em mercados menos tradicionais, a menos que a educação do consumidor sobre o café seja mais voltada para as tendências do mercado no país específico, ela pode não ser tão eficaz e informativa.

clientes sendo atendidos por um barista numa cafeteria

À medida que o café especial continua a crescer e se expandir para novos mercados, é provável haver uma necessidade crescente de educação do consumidor.

No entanto, igualmente importante, também precisamos entender que nem todos compartilham o mesmo interesse na educação do consumidor de café. Portanto, as marcas de cafés especiais precisam saber quando e onde é apropriado oferecer recursos educacionais, bem como para quais dados demográficos dos consumidores.

Além disso, dado o tamanho relativamente pequeno de mercado, o crescimento da educação do consumidor de café especial também pode ser um pouco limitado. Este é um fator importante que as empresas de cafés especiais devem ter em mente ao procurar expandir seu alcance também.

Gostou? Em seguida, leia nosso artigo sobre educação online no setor cafeeiro.

Créditos das fotos: Dani BordiniucSilvia Graham

Tradução: Daniela Melfi.

PDG Brasil

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