Devemos preparar cafés processados experimentalmente de forma diferente?
No mercado global de café especial, os cafés processados experimentalmente estão se tornando cada vez mais populares. E por uma boa razão, já que eles podem proporcionar experiências sensoriais únicas para os consumidores. Isso inclui perfis que muitas vezes não são possíveis com métodos de processamento mais tradicionais.
Sabemos que os métodos de processamento influenciam os perfis de torra, o que significa que os torrefadores precisam ajustar algumas variáveis para obter os melhores resultados dos cafés processados experimentalmente. Mas outra questão importante permanece – também devemos preparar esses cafés de maneiras diferentes?
Para descobrir, falei com três profissionais de café. Continue lendo para saber mais sobre o que eles tinham a dizer.
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O que é processamento experimental?
Não importa qual método de processamento é usado para processar o café, ele terá um enorme impacto no perfil final da xícara. Para os agricultores, o processamento é uma das etapas mais importantes na produção de café e também pode agregar valor significativo ao café.
Os três métodos de processamento “tradicionais” mais conhecidos são: lavado, natural e honey. Esses métodos são usados por muitos produtores e resultam em uma variedade de diferentes sabores e sensações na boca.
No entanto, nos últimos anos, temos visto cada vez mais produtores experimentarem uma variedade de técnicas de processamento experimental diferentes – mas o que são exatamente?
De acordo com Dan Fellows, duas vezes campeão do World Coffee in Good Spirits, barista campeão do Reino Unido e dono de um canal do YouTube com tema Coquetel de café, os métodos de processamento experimental têm muita influência sobre o perfil final de sabor e as características do café.
“Em muitos casos, essas técnicas são emprestadas de outras indústrias, como a do vinho e da gastronomia. Ao fazer isso, os produtores podem ampliar as possibilidades de sabor de diferentes variedades e espécies de café”, ele acrescenta.
Segundo Sam Corra, diretor de café da ONA Coffee (Sydney, Austrália), o processamento experimental é geralmente definido por lotes menores com processos atípicos como a fermentação anaeróbica. “Essas técnicas de processamento geralmente se concentram em alterar uma variável para entender seu impacto no café ou para aprimorar um aspecto específico do perfil de sabor”, acrescenta. “O processamento experimental geralmente envolve muitas variáveis diferentes, incluindo tempo, temperatura e diferentes tipos de fermentação.”
Diferentes tipos de processamento experimental de café
Embora existam muitos tipos de métodos de processamento experimental, algumas técnicas vêm ganhando mais destaque no café especial como as fermentações aeróbica e anaeróbica. Ambas são semelhantes, mas há uma diferença principal entre eles: a presença de oxigênio.
Com a fermentação aeróbica, a presença de oxigênio significa que os açúcares nos grãos de café fermentam mais lentamente. No entanto, quando a fermentação ocorre em um ambiente livre de oxigênio (ou anaerobicamente), a fermentação pode ocorrer mais rapidamente.
Com a fermentação anaeróbica, as cerejas de café são geralmente seladas dentro de grandes tanques ou barris para criar um ambiente livre de oxigênio e lá permanece por entre 24 e 96 horas. Esse tempo é determinado de acordo com o perfil sensorial desejado.
Alguns produtores estão experimentando ainda um novo processo chamado “impregnação anaeróbica”, que envolve colocar frutas ou outros ingredientes em tanques de fermentação. E isso resulta em cafés sabores frutados ainda mais proeminentes.
Outro método de destaque é a maceração carbônica, técnica inspirada na vinificação. Até mesmo por isso ela resulta em qualidade mais “alcoólica” nos cafés. Nela, as cerejas são colocadas em recipientes selados antes de serem lavadas com dióxido de carbono.
Há ainda a fermentação málica, em que o ácido málico, um composto de sabor que remete a maçãs verdes, é adicionado e pode fornecer um café com uma acidez limpa e nítida.
Uma das mais novas tendências emergentes no processamento é o emprego do molde koji, usado tradicionalmente na produção de saquê e missô, para acentuar os sabores de umami. Cada método de processamento experimental terá sua própria influência no sabor do café, afetando as variáveis de extração.
O que esperar sensorialmente desses cafés?
Elika Liftee é diretor de educação do Onyx Coffee Lab em Bentonville, Arkansas. Ele também é o Campeão da Copa Brewers dos Estados Unidos de 2022.
Segundo ele, você deve esperar sensações mais proeminente e uma acidez aprimorada e mais complexa nos cafés processados exeperimentalmente. “Acho que os métodos de processamento experimental são benéficos para a indústria do café especial”, ele acrescenta.
Sam, entretanto, me diz como os métodos de processamento experimental podem influenciar a qualidade do café. “Com cafés processados experimentalmente, pode ser mais difícil pontuá-los com base na clareza, sensação na boca, sabor residual e equilíbrio”, diz ele. “Por causa disso, alguns cafés realmente de alta qualidade e interessantes às vezes podem pontuar mais ou menos do que deveriam.”
Como preparar os cafés de processamento experimental?
É seguro dizer que não há dois cafés iguais, portanto, duas xícaras de café nunca serão preparadas exatamente da mesma maneira. Mas quais fatores precisamos considerar ao preparar cafés processados experimentalmente?
A fermentação ajuda a decompor os açúcares, o que significa que eles podem ser extraídos com mais facilidade. Como resultado disso, a probabilidade de super extração pode aumentar. Nesse sentido, os tempos totais de infusão geralmente devem ser mais curtos ou então podemos extrair esses cafés com água em temperatura mais baixa.
“Em geral, o café fermentado anaeróbico tende a ser mais solúvel e por isso é preciso extrair a uma taxa mais rápida do que outros métodos de processamento”, diz Elika. “Para reduzir o risco de extração excessiva, eu preparo cafés processados experimentalmente com água entre 88°C e 93°C.”
Sam explica como temperaturas mais baixas podem ajudar a melhorar certas características ao preparar cafés processados experimentalmente.
“Temperaturas mais baixas durante todo o tempo total de preparo permitem que os aspectos mais suculentos e brilhantes do café brilhem”, diz ele. “O preparo com água que está muito quente geralmente faz com que os sabores mais turvos, maçantes ou indesejáveis dominem o resultado final.
“Assim, temperaturas mais baixas usadas nos serviços finais da bebida ajudam a mitigar a extração de taninos, o que pode reduzir o amargor e a secura”, acrescenta. Tanto Sam quanto Elika sugerem suas próprias receitas para preparar cafés processados experimentalmente:
Receita de Elika (para ser usada com qualquer método coado):
Ingredientes:
- 15g de café em moagem de média a fina;
- 250 ml de água a 93°C.
Como preparar:
- Despeje 50ml e aguarde 20 segundos;
- após 20 segundos, despeje mais 50ml de água;
- após 50 segundos, despeje vigorosamente 75ml de água;
- após 1 minuto e 20 segundos, despeje vigorosamente os 75ml de água restantes.
O tempo total de preparo deve variar entre 2 e 3 minutos.
Receita com 2 chaleiras para o método V60, de Sam
Ingredientes:
- 15g de café em moagem de média a fina;
- uma chaleira com 120ml de água a 92ºC;
- segunda chaleira com 180ml de água a 88ºC.
Como preparar:
- Inicie a marcação do cronômetro e despeje 50ml da primeira chaleira e aguarde;
- quando o cronômetro marcar 35 segundos, despeje os 70ml restantes da 1ª chaleira;
- entre 1 minuto e 1 minuto e 10 segundos, despeje 60 ml da 2ª chaleira;
- entre 1 minuto e 25 segundos e 1 minuto e 40 segundos, despeje mais 60ml;
- entre 1 minuto e 45 segundos e 2 minutos e 10 segundos, despeje os 60ml restantes;
- o tempo total de preparo não deve exceder os 3 minutos.
Cafés processados experimentalmente como ingrediente de drinks
Além do café com filtro, os cafés processados experimentalmente também se tornaram cada vez mais populares entre aqueles que fazem coquetéis de café de alta qualidade – inclusive para o World Coffee in Good Spirits Championship (WCIGS).
Em sua rotina vencedora do WCIGS de 2019, Dan preparou suas bebidas usando sua receita de coquetel “Experimento: Frozen Natural” – que usa um café processado usando uma técnica chamada “natural congelado”.
“Esta receita de coquetel inclui café que passou por uma técnica de processamento única chamada método natural congelado”, ele me diz. “Nele, congela-se totalmente as cerejas de café Pacamara antes de seu processamento pelo método natural. Isso ajuda a aumentar a doçura, o corpo e a intensidade do sabor em comparação com o processamento tradicional.”
Em sua receita, Dan adiciona vinho gelado (que, segundo ele, inspirou o método de processamento), laranja sangue-de-boi, gin cítrico e floral, ácido málico e xarope de casca de café (cascara). “Esses ingredientes são então agitados sobre gelo e servidos em um copo congelado em cima de uma nuvem de aroma de cascara”, explica.
Não há dúvida de que as técnicas de processamento experimental permanecerão populares na indústria do café. No que lhe concerne, os baristas profissionais e quem prepara café em casa precisam garantir que estejam obtendo o melhor desses cafés.
“É importante que nós, como baristas, bartenders e consumidores, apoiemos a criatividade nos métodos de processamento e asseguremos que o potencial desses cafés continue a crescer”, conclui Dan.
Gostou? Em seguida, leia nosso artigo sobre maceração carbônica e agricultura biodinâmica: Processamento experimental de café no Panamá.
Créditos das fotos: Dan Fellows
PDG Brasil
Traduzido por Daniela Melfi
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