Guia básico para torrar café robusta
O arábica representa cerca de 60% de todo o café consumido no mundo. Depois disso, o canéfora passa a representar quase a totalidade dos 40% restantes, tanto nas variedades de café robusta quanto no conilon. Mas, embora haja muitas informações sobre como os profissionais de café em todo o mundo torram o café arábica, como devemos torrar café robusta da forma mais adequada?
Para saber mais, conversamos com dois especialistas em robusta. Continue lendo para descobrir o que eles disseram e algumas dicas para quem quer torrar um bom café robusta.
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Robusta e arábica: uma visão geral
Existem várias diferenças importantes entre o robusta e o arábica como espécies de café. Embora o arábica possa ser rastreado até a Etiópia, acredita-se que o robusta seja nativo da África Ocidental.
Enquanto o arábica é geralmente cultivado acima de 1.000 m, o robusta se desenvolve em altitudes muito mais baixas. Ele também pode suportar temperaturas muito mais altas, crescendo melhor entre 24°C e 30°C. O rendimento do robusta também é geralmente muito mais alto.
O arábica também é suscetível a doenças fúngicas, como a ferrugem do café, e as pragas, como a broca do café.
Os grãos robusta contêm significativamente mais cafeína do que os grãos arábica – cerca de duas vezes mais, na verdade. A cafeína concentrada atua como um pesticida natural, repelindo a broca do café e outros insetos nocivos.
É também naturalmente mais resistente à ferrugem do café e, em geral, uma planta mais forte e resistente.
Finalmente, a estrutura do próprio grão também é diferente. Os grãos do robusta são geralmente menores e mais arredondados e, devido à altitude mais baixa e à temperatura mais alta em que são cultivados, eles também têm uma densidade mais baixa.
Cleia Junqueira é chefe de torra no Coffee Planet, em Dubai. Ela também é uma Q-grader de robusta (QRobusta-grader). Ela conta sobre as condições ideais de cultivo para a planta robusta.
Ela diz: “As temperaturas médias ideais variam entre 24 a 30ºC para o robusta, que pode florescer em condições mais quentes e adversas e pode ser cultivado entre o nível do mar e cerca de 800 m”.
“O termo ‘robusta’ é na verdade o nome de uma variedade amplamente cultivada dessa espécie e é cultivado na África Ocidental e Central, em todo o Sudeste Asiático e um pouco no Brasil, onde é conhecido localmente como conilon.”
Diversidade genética e adaptação
As plantas robusta também são altamente adaptáveis e capazes de se desenvolver em uma ampla variedade de habitat. Isso se deve em grande parte à incrível diversidade genética da espécie e, em menor medida, ao fato de ter uma estrutura de raiz mais simples do que a do arábica.
Lucas Venturim é proprietário da Fazenda Venturim, uma das mais renomadas fazendas de café no Brasil em produção de robusta de alta qualidade – conhecida entre a comunidade cafeeira em geral como “robusta fino”. Ele conta mais sobre a espécie.
“Os cafés canéfora (robusta ou conilon) têm grande capacidade de adaptação, principalmente pela grande diversidade genética”, afirma.
“Essas plantas são de polinização cruzada, o que proporciona uma matriz genética quase infinita, que permite uma boa adaptação a climas muito variados, do seco e quente ao úmido e ameno.”
A complexa diversidade genética das espécies de robusta se resume ao fato de que não podem se autopolinizar. É amplamente dependente da polinização cruzada, garantindo que as plantas recebam genes de sua “mãe” e de seu “pai”.
Na verdade, muitos agricultores optam por plantar várias variedades de robusta na mesma área, promovendo a polinização cruzada e maximizando a diversidade genética.
“Em nossa região, foi feita uma seleção genética para que se adaptasse ao nosso clima. Essa região recebe muito sol com chuvas concentradas no verão ”, diz Lucas. “É por isso que se costuma dizer que as plantas são mais resistentes a pragas e doenças – por causa de sua adaptabilidade.”
No entanto, ele observa que suas árvores em particular tendem a produzir frutos menores por causa da baixa pluviosidade.
“Isso possivelmente se deve à atividade pesada de fotossíntese causada pelos muitos dias de sol”, diz Lucas. “Mas, ainda assim, nossos cafés geralmente se destacam por sua doçura e acidez suave.” Esse é um perfil de sabor que costuma ser raro em grãos robusta.
Robusta fino
Embora o robusta seja amplamente percebido como de qualidade inferior entre a comunidade cafeeira e associado ao café commodity, o robusta de qualidade superior pode, na verdade, produzir perfis de xícara complexos e delicados.
Cleia diz: “O robusta fino pode ter notas de chá, limão, mel, baunilha, caramelo, cacau, nozes, rosa chá, flor de café, malte, polpa de café, manteiga, passas, framboesas, canela, cravo, banana e jaca.”
Lucas acrescenta que as coisas mudaram drasticamente em relação à pontuação dos grãos de robusta nos últimos anos. O Coffee Quality Institute desenvolveu seus próprios Padrões e Protocolos do Robusta Fino para esse propósito exato.
“Antes do desenvolvimento desses padrões, um ‘perfil de xícara desejável’ para um robusta fino era simplesmente uma xícara limpa e lisa com um bom acabamento. Hoje, porém, podemos esperar muito mais”, afirma Lucas.
Ele diz: “Alta doçura, corpo cremoso e notas sensoriais mais exóticas, como frutas, flores e especiarias, podem levar um canéfora fino a atingir ou mesmo ultrapassar a barreira dos 90 pontos!”
Como torrar café robusta de forma diferente?
Assim como o arábica, os sabores dos grãos robusta são desbloqueados pelo processo de torra. No entanto, como uma espécie diferente, os grãos de robusta se comportam de maneira diferente durante a torra, e os torrefadores precisam mudar sua abordagem de acordo.
Os níveis de densidade, forma e açúcar entram em jogo ao traçar o perfil de cada novo café. Para extrair o melhor de cada lote, os torrefadores devem considerar essas variáveis (e uma variedade de outras) ao desenvolver um perfil.
Em primeiro lugar, densidade. Os grãos robusta são geralmente menos densos que o arábica, pois são cultivados em altitudes mais baixas e temperaturas mais altas.
No entanto, sua estrutura de grãos é muito mais complexa, então, durante a torrefação, o robusta se comporta como um café arábica muito denso de grande altitude.
Lucas conversa regularmente com outros torrefadores sobre os processos pelos quais eles passam para obter o melhor dos grãos arábica, apenas para se contextualizar.
Ele explica: “A teoria por trás não é muito diferente para o arábica e o robusta, mas as pessoas têm que adotar a mesma abordagem de quando começam um novo lote de uma origem diferente”.
“Não é possível simplesmente ligar a máquina e repetir o último perfil que você usa. A estrutura celular do conilon e do robusta é mais rígida, e isso faz com que ele se comporte de maneira semelhante aos grãos mais densos, embora a densidade aparente não seja tão alta.”
Como tal, Lucas recomenda começar com uma temperatura de carga mais alta ao torrar robusta.
Ele acrescenta: “O calor é transmitido de forma diferente dentro dos grãos, que acabam exigindo torras um pouco mais longas e, muitas vezes, uma temperatura final 5 a 7ºC superior à dos cafés arábica.”
Essa diferença na transmissão de calor significa que a taxa de crescimento (RoR) não muda tanto durante a torrefação. Como tal, muitos torrefadores acreditam que o robusta é muito mais “indulgente” do que o arábica.
Desenvolvimento e tempo
Cleia diz: “Os grãos robusta, por causa de sua densidade, podem ser torrados por um pouco mais de tempo sem danificar sua estrutura e sabor”.
Isso significa que tempos de desenvolvimento mais longos costumam ser mais adequados para cafés robusta e podem até revelar sabores mais desejáveis.
Os tempos de torra por volta de nove ou dez minutos irão trazer notas achocolatadas e picantes em um robusta de boa qualidade, conforme os açúcares começam a caramelizar.
Também é importante ressaltar que o primeiro estalo é muito menos audível ao torrar o robusta. Tomar cuidado extra para identificar esse primeiro estalo ajudará a orientar a sua torra, ao passo que perdê-lo pode significar um super desenvolvimento e trazer à tona mais das notas de fumaça ou acre nos grãos.
O que você pode esperar do robusta em um cupping?
Como os classificadores Q, os classificadores R usam uma folha de pontuação específica para dar aos grãos uma pontuação de 100. Isso afeta o valor que será pago por ele.
O robusta é geralmente visto como muito menos desejável do que o arábica, com notas de degustação não-convencionais ou indesejáveis.
Essa é a principal razão pela qual o arábica tem dominado o mercado. A doçura, acidez e corpo equilibrados do arábica significam historicamente que a espécie teve muito mais apelo para um público mais amplo.
Cleia diz: “Os sabores que você encontrará no robusta de qualidade básica incluem notas de batata, ervilhas, pimenta, cedro, tabaco para cachimbo, pão torrado, amendoim torrado, terra, remédio, fumaça, borracha, palha, madeira, sal e alguma adstringência também”.
O robusta também é frequentemente usado em misturas para adicionar cafeína, creme e corpo à xícara em geral. No entanto, Cleia diz que, se você estiver misturando, você deve abordar a torra de forma diferente.
“Se você estiver usando em um blend, a melhor coisa a fazer é dividir a torra para realçar as qualidades do robusta e do arábica”, diz ela. “Você também deve educar os clientes sobre como o robusta fino pode criar uma bebida de café espresso melhor e mais ousada, por exemplo.”
Por fim, você deve ter em mente uma regra de ouro ao torrar robusta: não baseie seu perfil em nenhuma experiência de torrefação de arábica.
As duas espécies são fundamentalmente diferentes, o que significa que suas expectativas para tudo, desde o momento da primeira fissura e RoR até a temperatura de carga, devem mudar de acordo. No entanto, com isso em mente e alguns grãos de robusta de alta pontuação, prepare-se para uma surpresa.
Sabores mais doces, sutis e complexos não são impossíveis com o café robusta – você apenas precisa ajustar suas expectativas.
Créditos das fotos: Pixabay, Josef Mott, Coffee Planet.
Tradução: Daniela Andrade.
PDG Brasil
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