O café e a força feminina no Norte do Paraná
Não é de hoje que vemos frentes femininas liderando posições em diversos segmentos do mercado. As mulheres estão se articulando em coletivos e grupos colaborativos, e estruturas que movimentam nossa vida já começam a ser repensadas e reorganizadas por elas. Mas e o café e a força feminina?
No café, não seria diferente. São muitas as associações de mulheres que representam o desenvolvimento e a produção de café especial de diversas regiões, como acontece no Norte do Paraná.
São elas que se destacam pela coordenação e produção de um café de mais qualidade, numa região que há tempos vem tentando recuperar importância no que diz respeito à cafeicultura, principalmente em qualidade e identidade histórica.
Depois das geadas de 1975, que dizimou os cafezais, o Paraná – que já foi o maior produtor mundial – perdeu protagonismo com o café e deu lugar à soja. No entanto, mostra hoje sinais de resgate com grupos de mulheres da agricultura familiar, que fincam a bandeira do cultivo de café especial no sul do Brasil.
O PDG Brasil foi conversar com a AMUCAFÉ (Associação das Mulheres do Norte Pioneiro do Paraná), com as Mulheres do Café Matão e as Mulheres do Café do Vale do Ivaí, para conhecer histórias que carregam um poder de impacto para além da produção cafeeira.
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Autoconhecimento e a força feminina
“Estar à frente da associação é fazer uma imersão na minha própria história, é um aprendizado constante”, declara a produtora Elielce Monteiro, que faz parte da AMUCAFÉ, criada em 2013.
Essa declaração é apenas uma em que se percebe o quanto a relação e a troca com outras mulheres têm sido transformadoras na vida de Elielce. É como se o café fosse o conector com outras mulheres de mesma vivência, antes silenciadas e sem poder de escolha, e agora ocupando lugares de protagonismo no mercado cafeeiro e na sociedade como um todo.
Parece que essa caminhada conjunta a faz entender quem ela é, como mulher, da roça, que gera e produz os frutos da terra. “Por meio do café conheço tantas pessoas, tantas outras mulheres e suas histórias de sabedoria, de superação, de luta e de conquistas”, conta.
A mulher à frente da propriedade rural
Para a produtora Janaína Assad, enxergar o novo é o que impactou sua vida desde que deu atenção para o café especial, em específico sobre o cuidado com o fruto e o protagonismo, que passa então a ser também da mulher.
“Toda vida eu morei na roça, mexi com café, mas depois que entrei na associação melhorou muito. Eu comecei a olhar pro café diferente, e a entender que café não é tudo igual. O café me fez mudar o pensamento, deixar o velho para trás e aceitar o novo, me modernizar, porque a agricultura tem de se modernizar. O velho, o antigo, já não serve mais.”
Ela comenta ter ficado receosa em participar da Associação das Mulheres do Vale do Ivaí, criada em 2021. Mas nos primeiros encontros já começou a se interessar, a querer aprender mais, para logo estar inteiramente focada em produzir um café de qualidade.
“Fui seguindo os estudos, me interessando, e hoje quando volta seu café da análise e deu bebida mole, mais de 83 pontos, você vai lá nas nuvens e volta.” Ela diz ainda que isso é um incentivo, que as pessoas da roça, da lavoura, precisam de incentivo, se não desistem.
“Não é fácil, não depende só do seu trabalho, depende do clima, do sol, da chuva. Tem seca, tem geada, tem época que a gente nem consegue produzir. Mas eu tô grata, eu tô aprendendo.”
E parece aprender também sobre posicionamento e o lugar da mulher. Ainda que mencione a delicadeza, a paciência e o cuidado como características especiais para lidar com café, Janaína se mostra a par da importância e urgência da igualdade de gênero em todos os âmbitos da sociedade, ainda mais no campo.
“Isso valoriza nosso trabalho, dá mais visibilidade, e isso pra nós, mulheres da roça, é muito importante, porque sempre foi o homem à frente da propriedade, eram só eles nas reuniões, que participavam e decidiam tudo, mas agora não. E isso tem que mudar. Passou da hora de mudar, porque nós cuidamos juntos da propriedade”, complementa.
Expansão do café de qualidade junto à valorização da mulher
A formação de um grupo, de um movimento, com objetivos e conquistas, trouxe mais sentido para a vida de Eloir Souza, que deixou de ver o café apenas como moeda. “Desde criança eu já ia para a lavoura com meus pais, e desde então o café era apenas fonte de renda, de sustento da minha família. Eu via o café apenas como uma moeda, mas o café especial faz a gente pensar de forma diferente.”
Não é à toa a premissa de que o café é fonte de conexões e transformações de vida. Pode-se dizer que a busca por qualidade, entendimento de processos, valorização do trabalho e negociações justas, conceitos que se encaixam no café especial, servem também para o momento de visibilidade feminina.
“Café especial é mais trabalho, mas tem mais amor e dedicação também. Eu consegui premiações, a valorização da mulher, porque a mulher sempre trabalhou, mas não era vista. Hoje a mulher recebe em casa, fala das negociações, recebe prêmios.”
Eloir, que faz parte das Mulheres do Café Matão, ficou em 1º lugar no concurso Qualidade Paraná, em 2015, e no 3º lugar em 2021, além de outras colocações e participações em concursos, como o Cup of Excellence e Sabores do Norte Pioneiro.
O café como um lugar seguro e de resistência
Segundo a Diretora de Inclusão e Diversidades e Diretora de Eventos da Aliança Internacional das Mulheres do Café (IWCA), Dandara Renault, essa conexão e união, que atinge as produtoras e toda a cadeia do café, vêm do incômodo e da angústia de mulheres inquietas, que já não vivem de acordo com protocolos impostos à existência da mulher.
“Quando falo sobre o impacto da organização na vida das mulheres, gosto de dar um passo atrás e deixar claro que ser mulher é uma construção. Nenhuma de nós nasce com as questões que nos une, nos unimos porque nos são impostas diariamente características e posturas que nos retiram a possibilidade de exercermos nossas potências em plenitude.”
Para Dandara, esses movimentos e essa possibilidade de estarem juntas, geram reconhecimento e o cooperativismo, tendo o café como conector para um espaço de proteção e acolhimento. Uma conexão que permite que elas se vejam, se reconheçam, se organizem e operem uma revolução.
“São espaços realmente de segurança. São nesses espaços que se encontra forças para denunciar assédio moral e sexual no trabalho. São nesses espaços que é compartilhado conhecimento produzido por nós. São nesses espaços que nos sentimos livres para expormos nossas dúvidas sem sermos diminuídas. Com isso diminuem os riscos de doenças psíquicas e crescem as chances de empoderamento.”
Assim, a IWCA defende, além da equidade de gênero, o respeito à diversidade racial e regional, com acesso à educação, empoderamento e união das mulheres, independentemente da etapa e processos que cada uma executa.
A organização, que representa as mulheres que operam à frente do cultivo de café especial, está presente em 30 países produtores, a conectar e orientar o pensamento de gênero na cadeia de produção e consumo do café. Por isso, pensando no apreciador (o coffee lover) como influente no ciclo do café, atua também em países apenas consumidores, como Alemanha, Japão e Itália.
Mulheres do Café no Norte do Paraná
No Brasil, a IWCA está subdividida em regiões produtoras como Alta Mogiana, Campo das Vertentes, Chapada Diamantina, Cerrado Mineiro, Montanhas do Espírito Santo, Sul de Minas, Rondônia e outros mais.
No Norte do Paraná, atua com o projeto Mulheres do Café, que reúne as associações AMUCAFÉ, Mulheres do Café Matão e Mulheres do Café do Vale do Ivaí, onde estão presentes Elielce, Janaína, Eloir e indiretamente Dandara.
Na região, o projeto está interligado ao Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná (IDR) e Emater, e juntos realizam atividades técnicas e de desenvolvimento social com mais de 250 mulheres, em 11 municípios do Norte Pioneiro e quatro no Vale do Ivaí.
Segundo informações do Departamento de Economia Rural (Deral), da Secretaria Estadual de Agricultura e Abastecimento, o Paraná é o 5º no ranking nacional de produção do café arábica. No estado, como um todo, a safra de café commodity nos últimos dois anos atingiu 58 mil toneladas, produzidas em uma área total de 34 mil hectares.
Mas é o café especial propriamente dito que serve de caminho para a passagem dessas mulheres, que serve como elevação pessoal e social para muitas cafeicultoras do Norte do Paraná e de todo o mundo. Hoje muitas falam: “o futuro é feminino”, e o mundo do café já gira com a força delas, promovendo transformações pessoais de autoconsciência, representatividade, visibilidade, poder de decisão e maior compreensão e atuação da mulher na sociedade.
Créditos: Acervo Elielce Monteiro (frutos/destaque); Manifesto Café (montagem Elielce); Acervo Janaína Assad (montagem de fotos); Acervo Eloir Souza (montagem de fotos); Divulgação Norte Pioneiro (cafezais); Divulgação Mulheres do Café do Matão (cafeicultoras e frutos de café); Divulgação IWCA (cafezal com frutos).
PDG Brasil
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