25 de maio de 2022

Guia básico para produtores que querem torrar seus cafés

Compartilhar:

Aumentar a renda, criar valor no próprio produto, divulgar e promover o nome da região, manter a tradição que leva o nome da família ou até mesmo criar uma relação direta com o consumidor. São algumas das motivações que levam o produtor de cafés especiais no Brasil a implementar a torrefação do seu  próprio café. 

Mas será que vale a pena o produtor implementar a estratégia de criar valor pela torra? Como ele deverá se preparar para a nova atividade? E quais são os desafios para o produtor que quer torrar e vender o seu café diretamente? 

Para saber mais sobre o assunto, o PDG Brasil conversou com alguns produtores que já atuam no mercado de cafés especiais comercializando as suas próprias marcas de café torrado para criar um guia básico para produtores que querem torrar seus cafés. Falamos com Samuel, do Tequila Cafés, Ivan Santana, do Café Goulart e Roberta Bazilli, do Café Bazilli.

Você também pode gostar de ler Café e afeto: simbologias, sentimentos e percepções sobre a bebida. 

torrar café especial

Por que começar uma torrefação de café? 

Em alguns casos, a torrefação entra na vida do produtor sem muitas pretensões. É o caso do Ivan Santana, produtor na Região Vulcânica do Sul de Minas. Inicialmente, o café que ele torrava era uma forma de presentear os amigos mais queridos.

Por meio de uma amiga, dona de cafeteria, ele descobriu que o produto tinha boa aceitação e a demanda pelo seu café começou a aumentar. “Nunca tive a intenção de torrar cafés, e as coisas foram acontecendo naturalmente”, conta Ivan. 

produtores de café especial

Ivan também explica que a torrefação o ajudou a manter o seu negócio em alguns momentos de dificuldades. “Na época, foi um momento muito difícil, tinha arrendado uma fazenda e deu tudo errado. Com a seca da safra de 2014 e a geada de 2016, perdi muita coisa. Então surgiu essa oportunidade com o café torrado, e devagarinho começou a dar certo.” 

Atualmente Ivan tem a sua própria marca de cafés torrados, o café Goulart, uma homenagem à sua mãe. 

Alguns produtores são de diferentes áreas de formação e trazem na bagagem novas ideias e experiências, o que acaba os ajudando a implementar o novo “braço na produção”.

É o caso do Samuel, produtor nas montanhas da Serra da Mantiqueira. Formado em comércio exterior, assumiu a produção de cafés a convite da família e logo, com a ajuda de amigos produtores e por meio do reconhecimento pelos concursos e premiações, descobriu que tinha um tesouro em suas mãos.

Ele decidiu que iria criar o máximo de valor possível em seus cafés produzidos dentro da fazenda. 

produtor de café especial

“Conheci outros produtores que me ajudaram bastante. Entendemos que o nosso café era especial, precisávamos saber a melhor maneira de processar esse café e como conduzir o pós-colheita. Sempre fui da área comercial e não tive dificuldade para comercializar esses cafés”, conta.

Samuel criou então o Tequila Cafés, homenagem à sua cadelinha Tequila. 

Outro exemplo é Roberta Bazilli, produtora na região da Mogiana. Graduada em Hotelaria e Q-Grader, tinha o desejo de transformar o casarão antigo do seu bisavô em uma pousada ou hotel fazenda. Mas, com o apoio de seu pai, decidiram primeiro agregar valor ao produto que já tinham nas “mãos”: o café especial. “Gostei da ideia e fui estudar sobre cafés especiais”, lembra.  

Roberta tem a torrefação que leva o nome da família, Café Bazilli. “Na época, em 2004, ainda havia poucas marcas, mas fui atrás de referências no mercado e comecei a montar a torrefação pouco a pouco.” 

fazenda café especial

Antes de começar

O primeiro passo é garantir a produção de cafés de qualidade na fazenda, ou seja, manter o foco na produção. Roberta explica: “a produção sempre caminhou junto, não podemos perder o foco em produzir um produto de qualidade e ter uma matéria-prima boa para trabalhar”.

Além disso, o produtor terá que ter o cuidado no armazenamento para garantir a qualidade. “Ter um padrão de qualidade é muito difícil e é o mais importante.”

Na mesma linha, Samuel reforça os cuidados com a lavoura e destaca o trabalho de rastreabilidade dos lotes. “Fazemos a rastreabilidade de todos os lotes da nossa produção. Esse processo nos proporciona um histórico, para sabermos o que deu certo e o que deu errado.” 

mestre de torras café especial

A capacitação dos produtores para desenvolver a ciência da torra é muito importante. Ivan explica que a torra do café não é uma atividade simples. Pelo contrário: requer algumas habilidades essenciais para desenvolver a ciência da torra, por exemplo, saber provar e analisar o café. 

“Você tem que saber torrar e saber provar o café”, explica. Ele ainda acrescenta: “fiz muitos cursos e provo café há muito tempo, tenho mais de 20 anos de experiência como degustador”, diz. 

produtores e torradores de café

Roberta também destaca a importância de se preparar. “Primeiro fui estudar, buscar informação, focada em cafés especiais. A ideia era agregar valor de uma forma diferenciada, eu não queria trabalhar com o tradicional”, conta. Hoje ela é Q-Grader. 

Samuel buscou cursos de degustação, torra e outros mais. Com o conhecimento e a experiência adquirida nos últimos anos, ele faz um trabalho de apoio com produtores da sua região. “A minha ideia é retribuir e ajudar outros produtores da mesma forma que me muitos me ajudaram quando comecei”, diz.

Antes de investir na compra de equipamentos para a torrefação, a sugestão é buscar soluções para torrar de forma colaborativa. Isso permitirá o aprendizado, a troca de conhecimento e a consolidação do seu negócio. 

“Hoje tem muita gente preparada para te ajudar a torrar o seu café no início. Você vai adquirindo experiência e, quando estiver preparado e com mercado sólido, aí sim você investe. No início é preferível você investir o valor do torrador na sua produção de cafés”, acredita Ivan. 

mestre de torras e produtora de café

Mais próximo do consumidor 

Quando falamos de um conceito de cafés especiais da planta à xícara, faz todo sentido o consumo de um produto cultivado e torrado pelo próprio produtor. E a maioria dos consumidores adoram o conceito. 

Para Ivan, o consumidor valoriza muito comprar o café direto do produtor. “Você pode ter esse contato com o consumidor e o consumidor com o produtor. É muito importante, ele saber o que está comprando. Começamos uma relação transparente, olho no olho.”

relação produtor consumidor de café

Samuel conta que foca em relações duradouras com o consumidor e está sempre atento aos feedbacks. “O que mais gratifica é receber um feedback positivo dos clientes. A gente brinca que são os nossos tequilovers. Muitas das pessoas que compraram os nossos primeiros cafés viraram nossos amigos.” 

Para Roberta, o consumidor que compra café torrado pelo produtor espera um conjunto de qualidades e princípios, que vão desde a qualidade dos cafés até as questões relacionadas com a sustentabilidade. “O consumidor espera que naquele pacotinho, além de transmitir toda a dedicação e a história do produtor, também haja sustentabilidade.” 

marca de café especial

Desafios e estratégias de comercialização  

O produtor precisa estar ciente do compromisso de entregar um produto na quantidade, no prazo e na qualidade esperada. Deverá estar atento aos canais de venda e o público-alvo (cafeterias e/ou consumidor final). “Acho a logística muito complicada. Se não fosse a minha esposa, eu não conseguiria enviar os cafés. E trabalhar com a tecnologia e comunicação digital também é difícil”,  conta Ivan. 

Conheça alguns aspectos que fazem parte do processo e merecem atenção: 

  • O planejamento da torra; 
  • A apresentação do produto (embalagens e comunicação); 
  • Os canais de venda; 
  • A logística; 
  • A distribuição;
  • A gestão dos pedidos;
  • Ações de venda. 

A maioria dos produtores utiliza a internet e as redes sociais como ferramentas para se conectar com o consumidor. “As redes sociais são um grande aliado”, diz Roberta. Ivan conta que gosta muito de usar o WhatsApp. “Gosto de ter um contato mais próximo com o consumidor.”  

Samuel comercializa aproximadamente 70% do seu café torrado para cafeterias e 30% direto para o consumidor final. Para Roberta, o produtor sempre deve ter o compromisso de manter o padrão de qualidade e entregar o café no prazo combinado. 

Alguns produtores utilizam a estratégia de torrar os cafés quando recebem os pedidos, isso permite entregar o café sempre fresquinho e fazer o perfil de torra especial para o cliente. 

fazenda de café especial

Dicas básicas para produtores que querem torrar seus cafés

Reunimos abaixo uma lista básica de itens para se ter atenção ao montar uma torrefação na fazenda. Veja: 

Dentro da porteira

  • Manter o foco na qualidade na produção de cafés especiais;
  • Mapear os processos de produção, gerar rastreabilidade;
  • Inovar na produção e no processamento dos cafés, o consumidor quer novidades e experiências.

Na torrefação

  • Criar um plano de negócios para a torrefação;
  • Iniciar a torrar de forma colaborativa ou terceirizada;
  • Capacitação e treinamentos na área da torra e análise sensorial;
  • Escutar os feedbacks dos consumidores;
  • Definir canais de comercialização e estratégias para as mídias sociais;
  • Atenção para as legislações e tributações relacionadas com a torrefação;
  • Atenção para os canais de entrega e envio do produto, custos de frete e restrições na logística;
  • Planejamento da produção (café verde e torrado) para manter o fornecimento regular.
marca de café especial

Faz todo o sentido um produto produzido e transformado pelas mãos do produtor.

A ideia de adicionar valor ao seu produto por meio da torrefação pode ser sim uma estratégia para os produtores e as produtoras participarem da cadeia de valor dos cafés especiais. Além disso, é uma alternativa que pode ajudar cafeicultoras a obterem receitas extras e ainda ajudar no enfrentamento de alguns riscos relacionados com a produção de cafés. 

A torrefação, assim como qualquer outro negócio, requer planejamento, e o seu sucesso será condicionado à capacidade de gestão do produtor e da produtora. Não significa que um bom produtor de cafés especiais também será um bom fornecedor de café torrado. É preciso ter preparo e dedicação. Mas, segundo nossos entrevistados, vale a pena!

Créditos: Acervo Roberta Bazilli (torrador; Roberta na torra; provando café com seu filho, Theo; Roberta e cafés Bazilli; casarão e terreiro), acervo Ivan Santana (Ivan no cafezal; preparando cupping; Ivan e consumidor; pacotinhos) e acervo Samuel (juntos Samuel, Tequila e Sr. Pedro e Samuel na produção). 

PDG Brasil

Quer ler mais artigos como este? Assine a nossa newsletter!

Compartilhar: