22 de setembro de 2022

Cidades do café: Rio de Contas (BA), onde comunidades quilombolas e portuguesas se unem em torno do café 

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É da histórica e bela Rio de Contas e seus 14.000 habitantes que desponta a nova fronteira cafeeira em excelência na Chapada Diamantina. A cidade, fundada no final do século 17, tornou-se ponto de passagem para o escoamento e produção da extração aurífera por meio da famosa Estrada Real, no início do século 18.

Para compreendermos a história, a cultura e o papel do café no município, o PDG Brasil conversou com historiadores, descendentes das comunidades quilombolas e portuguesas e produtores de café que vêm despontando nos concursos pela qualidade em potencial que este terroir apresenta.

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cidades do café

A origem do café em Rio de Contas

Iniciamos nossa compreensão da importância do café na cidade conversando com o proprietário da loja de artesanato Pouso dos Creoulos, o guia turístico Fernando Pinto, e com . Sayonara Pinto, gerente do escritório do Iphan em Rio de Contas. O casal compartilhou informações sobre a fundação e o tombamento como Patrimônio Histórico e Artístico Nacional do município.

Entre os anos de 1640 e 1690, escravizados provenientes de várias etnias da África chegaram à região e fundaram o Quilombo Pouso dos Creoulos. As famílias se instalaram no local após sobreviverem ao naufrágio de um navio negreiro em Itacaré e adquiriram sua liberdade subindo o Rio das Contas até chegarem ao local, onde passaram a viver em liberdade.  

Logo após a virada do século, o quilombo é descoberto pelos Bandeirantes, que escravizaram novamente a comunidade. Nessa época, o ouro era tão abundante que conta-se que nas festas tradicionais era um costume jogar pó desse precioso metal ao vento como uma forma de homenagem.

Não demorou para as jazidas serem exauridas e, com o declínio do ouro, a economia local passou a ser fomentada pelo artesanato de madeira, metal e couro. Até que finalmente a comunidade ingressou na produção de café no início do século 19. 

Atualmente Rio de Contas possui quase 200 produtores familiares distribuídos entre seus dois biomas: caatinga e cerrado.

café especial Rio de Contas

A cultura cafeeira local atualmente 

Um dos pioneiros na torra de cafés especiais em Rio de Contas, Lucas Campos, da Blenditta Torra de Bons Cafés, fala sobre como se encontra agora a cultura cafeeira no município e qual sua perspectiva. “Aqui possuímos um terroir único devido às condições geoclimáticas, como uma altitude de 1.600 m em fazendas produtoras com solos apropriados para o cultivo. No entanto, há um grande potencial ainda a ser explorado em sua plenitude pelos produtores familiares locais.” 

comunidade do café bahia

Para ele, um bom caminho para desfrutar desse potencial é a união da cultura e da tradição histórica com a demanda por tecnologia humana, de maquinário e estrutural visando utilizar esse alto potencial para entregar um café único para todo o Brasil e para o mundo.

quilombolas Rio de Contas

Conhecendo algumas comunidades locais

Comunidade Quilombola do Bananal

Fomos muito bem recebidos por Maria de Lourdes e seu filho, Lucas Santana. Desde a chegada, já percebemos a ancestralidade exaltada, e o café se fazendo presente com toda a simbologia que o permeia.

Segundo Lucas Santana, o café atualmente é produzido por quatro famílias, dentre os 60 moradores da comunidade. Resgatando um pouco das origens da comunidade, Dona Maria de Lourdes nos disse com muito orgulho: “Nem todos os homens que sobreviveram ao naufrágio foram reescravizados, pois conseguiram manter sua liberdade atuando como garimpeiros livres”. 

“Na época do meu avô, já havia a tradição do Samba de Roda na Semana da Consciência Negra, mas era monitorada pelo delegado da cidade, para ver se estávamos nos ‘comportando’”, lembra. Sobre a culinária, um produto é citado como carro-chefe: a paçoca de castanha do pequi.

rio de contas café

Comunidade Quilombola de Barra

Prosseguindo pela estrada de chão, avista-se uma comunidade de 220 pessoas, com 50 produtores de café para subsistência. O líder comunitário, Carmo, nos apresentou a Claudinúzia Aparecida, da Associação das Mulheres Artesãs Quilombolas de Barra, Bananal e Riacho das Pedras, fundada há 15 anos. 

Atualmente, a associação conta com 15 mulheres. Além de confeccionarem roupas de renda e bordado e um artesanato ancestral em crivo rústico, as mulheres são fundamentais na época da colheita do café. A comunidade possui além da loja de artesanato, um Espaço Cultural e um centro de múltiplo uso.

produtor café bahia

Sr. Carmo é a história viva de Barra e afirma que a tradição é mantida pelas Festas Tradicionais do Reizado, do Samba de Roda, Bendengó e Encomendação das Almas. Ao ser questionado sobre o que espera para o futuro, nos diz, abraçado a 2 pés de café no seu quintal, num misto de esperança e resiliência: “Minha perspectiva é que os jovens levem adiante nossas tradições, para que essas não sequem como uma árvore não nutrida”.

café especial Chapada Diamantina

Comunidade Portuguesa do Mato Grosso

Se a quase vizinha cidade de Piatã é considerada a mais alta do nordeste brasileiro conforme os dados municipais disponíveis aqui, é em Rio de Contas que fica o povoado mais alto com seus 1.450 m de altitude e com cultivares a incríveis 1.602 m acima do nível do mar, veja aqui.

café bahia chapada diamantina

Descendentes de portugueses convivem com os descendentes africanos em harmonia com interações nas festas tradicionais de ambas etnias e estabelecem uma relação econômica-social ainda mais intensa na época da colheita. 

A Comunidade do Mato Grosso hoje possui 1.100 moradores e está a 22 km da sede do município, no topo do morro onde estão situadas, em sua base, as comunidades quilombolas já citadas. Vale informar que a Igreja mais antiga da Chapada Diamantina, datada de 1713, foi construída nesse povoado em homenagem a Santo Antônio.

O café é o principal produto cultivado na Comunidade e a Associação dos Produtores Rurais da Comunidade do Mato Grosso em parceria com o Poder Público Municipal conseguiu um torrador, um despolpador e a construção de um terreiro, o que indubitavelmente tende a melhorar ainda mais os cafés lá produzidos.

A produtora da Comunidade do Mato Grosso, Olívia Ramos, do Café Flor do Mato, é a terceira geração de cafeicultores da família. Quando morou em São Paulo poucos anos atrás, percebeu que havia um movimento novo no que tange à qualidade dos cafés. 

café especial Bahia

Retornou à sua terra natal e contou com o apoio fundamental da família e do mestre de torra Lucas Campos para melhorar a qualidade do seu café. Sua marca possui dois rótulos: clássico e de especialidade. 

A tirar pelas palavras embargadas e com as lágrimas escorrendo por sua face, podemos ter uma noção do poder do café para Olívia. “A minha autonomia e liberdade estão diretamente ligadas ao café que produzo. Ele é o meu jeito de chegar ao mundo honrando minha própria história e da minha família, fazendo com que minha filha Flora se orgulhe diariamente da mãe que tem”.

É da Fazenda Pedro Rodrigues, do produtor Valgleber Mafra, também situada no Povoado do Mato Grosso, que saiu o 20° colocado do Cup of Excellence, promovido pela BSCA em 2021.

Nos idos da década de 70, o Sr. Jonas Mafra (pai de Valgleber) plantou as primeiras mudas de café no povoado do Mato Grosso e foi seu filho, um empreendedor inquieto, que durante a pandemia se voltou ainda mais para o café e alcançou a excelência na qualidade. 

A premiação no CoE aconteceu apenas no segundo ano de produção de cafés especiais e logo no primeiro envio de café para concurso. Um feito inédito para a região. 

café especial Bahia

Isso reafirmou a importância que o café tem na Fazenda Pedro Rodrigues e Valgleber junto à sua esposa, Jaquelane também já premiada em 2021 entre os 40 melhores cafés do Concurso Florada Premiada da 3 Corações. 

A família tem na fazenda sobretudo “um lugar de paz”, conforme palavras do produtor. Salientando que o Café Mafra muito em breve será lançado no mercado, levando toda essa qualidade para nossas xícaras.

As perspectivas de Valgleber? “Gostaria de ser referência para motivar outros produtores a perceberem que é possível ter cafés de excelência em Rio de Contas.”

Na região, há também produtores que se destacam focando em qualidade e sustentabilidade. É o caso da Fazenda Vaccaro. A empresa tem no turismo rural o seu carro-chefe, mas também é bastante conhecida pela Cachaça Orgânica Serra das Almas, 1° lugar no Brasil no concurso promovido pela Revista Vip em 2011. 

café rio de contas

Como nosso assunto é café, é válido conhecer as belezas naturais da fazenda, consumir as 15 variedades de frutas cultivadas organicamente na propriedade e mantidas em câmara fria, dar um gole na “branquinha” premiada e beber à vontade o catuaí amarelo, um de seus destaques. 

café Rio de Contas

Assim nos despedimos de Rio de Contas (BA), uma cidade da Chapada Diamantina, fantástica com sua história secular, seu povo consciente da importância da ancestralidade e um café em franca expansão no desenvolvimento das suas potencialidades.

Créditos: Acervo Augusto Carvalho (mãos com café/destaque; Praça da Matriz, Blenditta Torra de Bons Cafés, Comunidade Quilombola do Bananal, Dona Maria de Lourdes e Lucas Santana, Fachada da Associação das Mulheres Artesãs Quilombolas, Claudinúzia Aparecida e seu filho Augusto no interior da loja e Sr. Carmo, panorâmica do pé de café visto do Povoado do Mato Grosso, balaios de café, produtora Olívia Ramos e sua filha Flora no cafezal, produtor Valgleber e Jaquelane no terreiro suspenso) e Fazenda Vaccaro (xícara com o café Serra das Almas).

PDG Brasil

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