O retorno do breakbulk: modalidade de exportação ajuda café no xadrez logístico mundial
As empresas exportadoras de café, durante o auge da problemática logística derivada da pandemia, voltaram-se à prática de uma modalidade de transporte marítimo tecnicamente ultrapassada para o transporte de café, chamada breakbulk (“break bulk”, carga fracionada), que estava em desuso pelo setor cafeeiro desde a década de 1980.
A modalidade breakbulk costumava ser o modelo status-quo antes da implementação global do sistema de transporte de carga conteinerizada, há cerca de três décadas. A carga conteinerizada catalisou a implementação de um fluxo funcional e estável de transportes marítimos, pois, no breakbulk, a carga é transportada “solta”, fracionada em sacos nos porões dos navios, apresentando riscos logísticos quando se trata de cargas de natureza perecível, caso do café.
A movimentação via breakbulk tem sido adotada novamente por exportadores de café como uma estratégia para auxiliar a re-estabilização do fluxo logístico internacional do segmento pós-Covid 19.
O PDG Brasil apresenta neste artigo o atual cenário de movimentação de cargas marítimas de café exportadas pelo Brasil, e como o mercado tem contornado a elevação de custos e cancelamento de fretes, derivados da escassez de navios.
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Contexto logístico
Além da disrupção do fluxo de transportes em terra, terminais e armazéns portuários de todo o mundo passaram por paralisações de atividades, e a subsequente dispensa de tripulações e trabalhadores deu origem a uma reação em cadeia caótica: indisponibilidade de navios, armazéns lotados com acúmulo de remessas perecíveis paradas, contratos vencidos e contratos futuros revogados, e o aumento substancial do valor de fretes.
Em sua grande maioria, os terminais de todo o mundo fazem movimentação de cargas por meio de contêineres. Cerca de 99% da carga do café que deixa o Porto de Santos, o maior porto exportador de café no mundo, é conduzida via movimentação em contêineres.
A carga conteinerizada é embalada em recipientes próprios, desenvolvidos especificamente para manter a integridade do produto até a entrega, e confere um alto índice de proteção contra avarias durante o carregamento e transporte. A modalidade é considerada o padrão logístico para o transporte de café, por conta da natureza perecível dos grãos.
Contêiner: uma breve história
Aproximadamente 90% das mercadorias comercializadas internacionalmente são movimentadas por via marítima, mas o contêiner não é usado apenas em navios. Trens, caminhões e aviões também transportam cargas conteinerizadas.
O advento do transporte marítimo via contêiner foi considerado uma solução inovadora quando instaurado globalmente, há cerca de cinco décadas.
Até então, havia uma incidência significativa de perda de carga, avaria de mercadoria e longos prazos de desembarque (que por vezes eram superiores aos dias da travessia marítima). Outro fator problemático eram os altos números de fatalidades entre estivadores, porque as cargas soltas eram içadas por cordas e guindastes, um método até então considerado substancialmente falível.
A origem da modalidade de movimentação marítima via-contêineres se deu em 1956. Um empresário do ramo de transportes norte-americano, Malcom McLean, percebeu que era mais fácil transportar mercadorias em navios adaptados para a acomodação e logísticas de embarque e desembarque de caixas de metal idealizadas por ele, simplesmente chamadas de “containers” (a palavra em inglês é usada para designar qualquer tipo de recipiente).
Malcom conseguiu implantar o projeto quando foi contratado pelo exército dos Estados Unidos para transportar armamentos e suprimentos ao Vietnã, durante o conflito entre os países. Ele converteu um navio da marinha para tal, já que a capacidade de navios usados para a movimentação de cargas breakbulk não eram compatíveis com a estrutura de contêineres.
Contêiner, breakbulk e o café: as diferenças
No frete via breakbulk, a carga solta é carregada e presa na plataforma, em racks simples, barris ou unidades de topo aberto, embarcadas individualmente. A modalidade é majoritariamente usada para o transportes de “cargas secas” (como grãos, açúcar), cujas mercadorias são de produtos não-perecíveis. O tratamento da carga não-perecível é diferente logisticamente da carga perecível que é transportada via breakbulk.
O transporte de café quando é conduzido por meio dessa modalidade, demanda uma remodelação estrutural e logística. Há uma demanda maior de mão-de-obra e tempo, devido ao processo ser menos automatizado em comparação ao de cargas conteinerizadas. Isso equivale a custos logísticos mais altos comparativamente.
A última vez em que esse tipo de remessa foi usada em grande escala pelo segmento de exportação de café se deu no início da década de 1990. André Peres, da empresa ACS, baseada no Porto de Santos, é um trader especializado em comércio exterior de café com mais de 30 anos de experiência nesse mercado.
Ele explica que, antes da padronização internacional do transporte de café por meio de carga conteinerizada, os lotes eram embarcados em sacaria de juta, “organizadas em paletes com cerca de 20 a 25 sacas, colocadas diretamente no porão do navio”.
A tecnologia envolvida no embarque e desembarque de breakbulk evoluiu nas últimas três décadas, e existem terminais portuários por todo o mundo preparados especificamente para a demanda logística de cargas secas, e grandes companhias de transporte operam seus próprios terminais.
As regras do comércio exterior de café
O café é precificado e vendido de acordo com critérios como temporalidade da safra (atual ou passada) e níveis de qualidade específicos.
As cargas de café, desde o “estacionamento” nos terminais, empacotamento, transporte e entrega, devem estar de acordo com protocolos estritos de segurança sanitária e controle de qualidade, impostos por meio da política vigente da OIC (Organização Internacional do Café), em concordância com a OMC (Organização Mundial do Comércio).
A OIC compreende os países exportadores e importadores de café como membros, que operam de acordo com as regras de acordos ratificados por todos os estados-membros, cujos representantes compõem a comissão reguladora.
Criada em 1995, a OMC é uma organização global composta de 134 países membros, responsável por negociar e regular acordos comerciais internacionais.
Os desafios da carga conteinerizada pós-covid 19
Contêineres vazios não são transportados até que o volume total seja preenchido. Quando as cargas de café ficaram paradas além do prazo programado nos armazéns, o que na terminologia de comércio exterior chama-se “overstaying”, gera-se custos diários às empresas de exportação devido às taxas de armazenamento.
O excesso de “overstaying” durante o auge dos problemas logísticos gerados pela pandemia gerou uma série de processos movidos pelas empresas de exportação contra as empresas de logística portuárias, pelo ônus gerado quanto aos valores de armazenamento. As empresas de exportação de café e os terminais de contêiner estão em contendas judiciais para resolver tais questões, mediadas no Brasil pela ANTAQ (Agência Nacional de Transportes Aquaviários).
O retorno do Breakbulk no transporte de café
Mesmo com as dificuldades enfrentadas em 2021, demonstradas pela queda de 9,7% em volume em relação a 2020, cuja receita total atingiu US$ 6,2 bilhões, o mercado de exportação brasileiro de café obteve um aumento de 10,3% em receita cambial, e alcançou o terceiro melhor desempenho em volume embarcado da história, de acordo com dados do Cecafé (Conselho dos Exportadores de Café do Brasil).
Segundo avalia o conselho, as 400 mil sacas transportadas via breakbulk em 2021 contribuíram para esse resultado favorável.
“Observamos uma melhora no fluxo dos embarques em dezembro, também motivada pelas remessas via breakbulk. Ainda assim, projetamos que o Brasil deixou de exportar cerca de 3 milhões de sacas e de receber aproximadamente US$ 465 milhões em receita”, declarou em janeiro Nicolas Rueda, presidente do Cecafé.
No segundo semestre de 2021, um navio de nome Eagle partiu do porto de Lampung, em Sumatra, com uma carga breakbulk de grãos robusta rumo a Nova Orleans, nos Estados Unidos.
O navio foi fretado pela companhia de comércio exterior Olam Food, uma das maiores do segmento, para atender às demandas de suprimento das torrefações dos EUA, a região líder quanto ao consumo e importação de café no mundo.
O Brasil adotou a estratégia em seguida, e em dezembro de 2021, a Cooxupé, a maior cooperativa de café do mundo, enviou 108 mil sacas de café arábica para portos europeus via breakbulk.
Em dezembro de 2021, foram feitas outras três movimentações de carga breakbulk exclusivamente de café por meio do Porto de Santos, segundo dados do Cecafé. Os quatro fretes aportaram 400 mil sacas, 100 mil por embarcação (os navios para breakbulk são menores).
Breakbulk: riscos operacionais e custos
Um dos navios breakbulk fretados pela Cooxupé demorou mais de cinco dias para completar a operação de desembarque, três a mais do que o previsto, pois a operação foi comprometida por interrupções causadas pela chuva, declarou o diretor comercial da cooperativa, Lucio Dias, em entrevista à “Bloomberg”.
Isso gerou custos adicionais à cooperativa, que se viu obrigada a negociar novos valores para fretes futuros com seus clientes. André explica que a chuva é de fato o maior fator de risco para o cumprimento dos prazos da entrega de café quando se trata de breakbulk.
Como a carga fica descoberta, o processo de carregamento e descarregamento deve ser paralizado para evitar que as sacas fiquem molhadas, portanto o prazo logístico é atrelado a condições climáticas propícias. Outros fatores de risco que a modalidade apresenta são a mistura de carga ou a perda de identificação de algum lote, “mas são muito minimizados, de baixa probabilidade”, diz André.
A modalidade de frete é acordada durante o fechamento dos contratos, e no segmento do café, o frete FOB (Free on Board), organizado e pago pelo importador, é o mais usado.
Quando se trata de breakbulk, o custo para o exportador aumenta, diz André, pois há o valor adicional das big bags, embalagens específicas para a armazenagem e acondicionamento, que normalmente são reutilizados pelo exportador dentro dos armazéns. Em transporte via breakbulk, as big bags ficam com os importadores. “Temos a informação que uma ou outra despesa portuária, como às referentes à mão-de-obra, por exemplo, devam subir de preço, mas isso ainda não aconteceu”, diz André.
André explica que pré-Covid 19, não era fora do comum que o segmento de comércio exterior de café se voltasse para o transporte via breakbulk para contornar questões logísticas pontuais. “Essa modalidade já foi anteriormente usada como escape dos problemas ocasionados por falta de booking e contêineres, mas sempre em pequena escala”, diz ele.
“Realmente não vejo outras saídas para o problema”, diz André quanto à adoção do transporte via breakbulk em maior escala. ”Trata-se de uma crise que atingiu qualquer tipo de transporte de mercadorias no mundo todo”, explica.
O foco principal do segmento como um todo é manter funcional o fluxo do comércio exterior de café. Não se trata de promover uma comparação entre a eficácia das modalidades disponíveis de transporte marítimo de café, mas sim encarar quaisquer estratégias de contingência como uma forma paliativa necessária. O importante é que o café chegue ao seu destino, com todos os cuidados necessários, seja qual for a modalidade de transporte.
Créditos: Tecon Santos (destaque e navio no Porto de Santos); Isabelle Mani SanMax (navio com modalidade breakbulk sendo carregado); Matthis (porto no pôr-do-sol).
PDG Brasil
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