Nossa percepção de sabores no café muda conforme envelhecemos?
Existem muitas variáveis que influenciam como percebemos sabores no café, incluindo a temperatura da bebida, a qualidade da água e até a altitude. Há ainda evidências claras que nosso olfato e paladar começam a mudar à medida que envelhecemos e isso certamente impacta nossas percepções sensoriais.
No entanto, também sabemos que você precisa de um paladar bem desenvolvido para identificar notas de degustação mais matizadas. Mas para desenvolver seu paladar, você precisa provar uma variedade de cafés de diferentes origens, variedades e métodos de processamento.
No entanto, quando se trata de degustar e pontuar cafés, muitas vezes ignoramos a influência da idade. E isso nos leva a uma questão importante: devemos considera-la durante o cupping e a avaliação de cafés?
Para descobrir, conversei com Gary Au, sócio da Urban Coffee Roasters em Hong Kong, e Nick Castellano, especialista em marketing de produtos da Cropster. Continue lendo para saber mais.
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O nosso paladar muda com a idade?
É um fato inevitável que, à medida que envelhecemos, nossos sentidos começam a se deteriorar. Claro que cada pessoa tem seu ritmo e isso depende de vários fatores, como condições de saúde e acesso a cuidados médicos, por exemplo.
A maioria das pessoas tende a pensar em perder a audição e a visão ao discutir o envelhecimento, mas uma pesquisa de 2016 aponta que olfato e paladar começam a declinar por volta dos 60 anos, e que isso se agrava após os 70. Isso significa que nossa capacidade de distinguir sabores diminui, inclusive para o café.
O declínio no número de receptores olfativos na cavidade nasal é o que justifica essa perda sensorial, que fica cada vez menos nítida. E esses receptores desempenham um papel fundamental na percepção do sabor.
Evidências mostram ainda que em algum lugar entre a adolescência e a idade adulta nossos paladares começam a se desenvolver mais. Isso é resultado de experimentar diferentes alimentos e cozinhas, o que nos expõe a uma variedade maior de sabores e texturas. Por sua vez, nos acostumamos com os cinco elementos do sabor: doce, salgado, azedo, amargo e umami.
E quanto às notas de sabor e aroma mais exóticas?
Em termos simples, existem cinco aspectos principais do perfil sensorial de um café: acidez, doçura, amargor, corpo e sabor residual. Mas, ao lado desses aspectos, também discutimos notas mais específicas.
Muitos profissionais da indústria usam a Roda de Aromas da Specialty Coffee Association para identificar características e sabores específicos no café. Há certamente críticas à Roda de Aromas – principalmente porque é mais voltada para os paladares europeus e norte-americanos do que para os dos países produtores.
A roda foi publicada pela primeira vez em 1995 e, desde então, foi reformulada para incluir um vocabulário mais amplo de 110 características de sabor, textura e aroma. Por exemplo, a categoria “frutado” por si só inclui quatro subcategorias, que contêm pelo menos outras duas subcategorias – incluindo passas, cereja, coco e limão, para citar alguns.
Na maioria das vezes, notas de chocolate, caramelo, nozes e frutas são usadas para descrever os cafés. No entanto, nos últimos anos, tem sido impossível ignorar o crescente número de torrefações especializadas que se referem a notas mais incomuns para descrever seus grãos.
Porque são usadas notas cada vez mais diferentes na avaliação sensorial de alguns cafés?
Em muitas cafeterias ao redor do mundo, não é raro ver mais nichos e notas de sabor interessantes. Por exemplo, alguns dos finalistas do Campeonato Mundial de Baristas de 2021 usaram “massa de bolo”, “sorvete de chocolate derretido” e “creme de banana” para descrever os sabores em seu café.
Enquanto Gary acha que isso é em grande parte resultado do uso de espécies e variedades mais raras ou exóticas de café, além de técnicas de processamento experimentais, Nick acredita que também há uma influência do fator geracional.
“De modo geral, acho que as pessoas mais jovens estão mais inclinadas a experimentar esses cafés fermentados, com sabores únicos e interessantes”, diz ele. “Na minha opinião, também ajuda as pessoas novas no mundo do café especial a se envolverem mais.” Gary concorda, dizendo: “Na minha experiência, as pessoas que começam a experimentar o café especial tendem a preferir os sabores novos, e muitas vezes conseguem perceber as notas de sabor descritas na embalagem”.
Devemos considerar as diferenças geracionais na avaliação sensorial de cafés?
Pesquisas indicam que, à medida que envelhecemos, é menos provável que percebamos todo o espectro de sabores no café. Sem dúvida, isso é especialmente importante quando se trata de provar e avaliar cafés.
Gary e Nick participaram do Leilão Melhor do Panamá de 2022 no ano passado, onde ficou claro que a idade fez uma diferença significativa na pontuação dos cafés. É importante notar que todos os juízes no leilão eram experientes cuppers e Q-graders.
No entanto, após a sessão de calibração dos juízes, ficou evidente que havia alguma discrepância entre as pontuações atribuídas aos cafés. Normalmente, é de se esperar uma diferença de um ou dois pontos entre os juízes para o mesmo café. Mas nesse evento essa diferença chegou a ficar entre 5 e 6 pontos para algumas amostras.
Além disso, Gary e Nick contam que um café recebeu 100 pontos de dois juízes, algo praticamente inédito. “Na minha opinião, foi porque os provadores mais velhos favoreceram os perfis de sabor Gesha mais ‘tradicionais’, que são mais florais e delicados. No entanto, os mais jovens pareciam avaliavam melhor os cafés mais complexos”, diz Nick. Gary, por sua vez, acredita que o nível de experiência e fatores culturais também afetaram essas discrepâncias.
O que isso significa para os protocolos de cupping?
Embora a idade possa ter desempenhado algum papel na influência das pontuações de cupping no leilão do BoP de 2022, Nick e Gary concordam que o nível de experiência foi de longe o fator-chave.
Além disso, na experiência de Gary como juiz, ele descobre que as pessoas do Sudeste Asiático ou do Oriente Médio geralmente preferem notas de sabor mais fermentadas e vitivinícolas no café. Ele acrescenta que norte-americanos e europeus tendem a favorecer perfis de sabor mais tradicionais devido às diferenças culturais na culinária.
Nick acredita que também é importante entender como as diferenças nos mercados internacionais ou regionais influenciam as preferências de sabor. “Por exemplo, o mercado de cafés especiais de Santiago (Chile) é mais desenvolvido do que o de Buenos Aires, na Argentina. Então o mercado para cafés mais exclusivos é maior lá”, diz.
Abordando essas questões
A SCA descreve esse viés do cupping como “intersubjetividade”. É quando os cuppers profissionais avaliam a qualidade do café com base em quais características são desejáveis para um mercado específico, em vez de pontuar objetivamente um café.
Como resultado disso, a SCA começou a desenvolver seu Sistema de Avaliação do Valor do Café, que busca essencialmente eliminar qualquer tipo de viés intencional ou não intencional ao fazer um cupping, além de buscar ser mais inclusivo em diferentes culturas e cozinhas.
Embora a idade certamente desempenhe um papel na forma como percebemos o sabor do café, é claro que também devemos considerar outros fatores que influenciam isso também – incluindo experiências e diferenças culturais.
Seja intencional ou não, o viés é uma parte inevitável da avaliação da qualidade e sabor do café. No entanto, à medida que continuamos a ver mais e mais técnicas de processamento experimental e novas variedades e espécies, fica claro que o espectro do sabor do café também continuará a se ampliar.
Gostou? Em seguida, leia nosso artigo sobre como garantir a consistência ao tomar café.
Créditos das fotos: Gary Au, Urban Coffee Roasters
PDG Brasil
Traduzido por Daniela Melfi
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