O processamento experimental de café e suas tendências
Quando se trata de produção de café, o processamento é uma das etapas mais importantes. Além de ser fundamental para preservar a qualidade, ele também pode melhorar ou criar sabores através de técnicas experimentais.
Nos últimos anos, temos visto cada vez mais produtores experimentarem uma variedade de diferentes técnicas de processamento experimental. Estes incluem fermentação aeróbica e anaeróbica, maceração carbônica e fermentação láctica.
Assim, à medida que essas técnicas de processamento ganham mais destaque no setor de café especial, quais tendências podemos esperar ver nos próximos anos? E como eles podem evoluir?
Para descobrir, conversei com dois profissionais de café da importadora de café verde Mercon Specialty e da consultoria de café Brewed Behavior.
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Entendendo os métodos tradicionais de processamento
Conforme diz Instituto de Qualidade do Café, o processamento pós-colheita tem o potencial não apenas de preservar a qualidade e a segurança alimentar, mas de criar sabores e agregar valor significativo ao café.
Isso significa que o processamento é um dos aspectos mais importantes da produção de café. E, sendo assim, precisa ser realizado com cuidado e de maneira controlada, especialmente quando se trata do uso de técnicas experimentais. Mas para podermos entender mais sobre o processamento experimental, primeiro precisamos olhar para os métodos tradicionais de processamento.
Processamento lavado
Popular em algumas partes da África (incluindo Ruanda e Quênia) e na América Central, bem como na Colômbia, esse método de processamento envolve a remoção de toda a casca, polpa e mucilagem dos grãos antes de serem secos.
Após a colheita, as cerejas são despolpadas e então submersas em água para que a mucilagem restante possa ser lavada. Uma vez que a mucilagem é removida, o café verde é então deixado para secar em terreiros suspensos ou pátios. Os cafés lavados têm geralmente um sabor mais brilhante e mais limpo do que os resultantes de outros métodos de processamento. Isso ocorre porque a remoção da mucilagem permite que as características naturais inerentes do grão sobressaiam.
Processamento natural
O processamento natural é comum no Brasil e em regiões e países onde o acesso à água é limitado, como Iêmen e Etiópia.
Nele, depois que as cerejas maduras são colhidas e classificadas, elas são secas totalmente intactas e mexidas regularmente para garantir que não haja formação de colônias de fungos. Uma vez que as cerejas tenham atingido o nível de umidade ideal (entre 10% e 12%), os grãos são removidos e armazenados.
A maioria dos cafés processados naturais têm sabores mais frutados e geralmente são mais doces e encorpados. Às vezes, eles podem ter algumas características semelhantes ao vinho e um certo peso na boca.
Processamento Honey
O processamento honey é popular em alguns países da América Central, especialmente na Costa Rica – onde foi desenvolvido originalmente.
Scott McMartin, Diretor de Café da Mercon Specialty, conta que o processamento honey se tornou proeminente na Costa Rica devido às regulamentações locais de uso de água, introduzidas após um terremoto atingir o país em 2008.
“Essencialmente, o processamento tradicional lavado foi proibido. Isso forçou os agricultores a experimentar mais com técnicas de processamento que usavam menos água”, ele acrescenta. O processamento honey envolve deixar uma determinada quantidade de polpa e mucilagem no café à medida que seca.
Uma técnica semelhante a esta é o processamento natural de polpa, desenvolvido pela primeira vez no Brasil. Este método é quando a fruta e a pele são removidas, mas a mucilagem é deixada intacta à medida que o café seca.
Assim, isso ajuda a reduzir o tempo de secagem. “Como muitos dos métodos de processamento mais recentes, o processo honey é um híbrido de técnicas tradicionais e inovadoras”, diz Scott.
Tipos de processamento honey
Existem diferentes tipos de processamento honey – incluindo preto, amarelo, vermelho, rosa e branco. Essas cores são indicativas de quanta carne e mucilagem são deixadas no café enquanto ele seca.
Por exemplo, o processamento honey preto é semelhante ao café natural processado, pois a maioria da pele, polpa e mucilagem é deixada no café enquanto ele seca.
Comparativamente, o café processado por honey branco é mais semelhante ao café lavado, pois a maioria da carne e mucilagem é removida, dando-lhe um perfil de xícara bem mais leve.
Devido à variedade de técnicas de processamento honey, esses cafés podem ter uma variedade de sabores. De modo geral, Scott diz que os cafés processados honey têm mais sabores doces, como características de frutas vermelhas, bem como o corpo e a sensação na boca melhorados.
O que são técnicas de processamento experimental?
Segundo Scott, os métodos de processamento experimental não são novos para o café especial. “Em muitos países produtores, a tradição e a inovação coexistiram no processamento do café para melhorar os esforços de qualidade e sustentabilidade”, diz.
No entanto, ao longo dos últimos anos, há um aumento notável no número de métodos de processamento mais experimentais. Estas técnicas são geralmente mais complexas do que as tradicionais, pois envolvem mais variáveis e exigem que os agricultores exerçam maior controle sobre o processo.
Tracy Allen, CEO da consultoria de café Brewed Behavior, que faz parte da organização Mercon, explica como os métodos de processamento experimental às vezes podem agregar mais valor ao café. “Eles visam criar diferentes experiências sensoriais, que podem aumentar a demanda e o valor”, diz.
Geralmente, esses métodos inovadores envolvem a fermentação, que começa a ocorrer naturalmente assim que a cereja do café é colhida. No entanto, nos últimos anos os produtores começaram a aproveitá-la para gerar uma gama mais ampla de novos sabores.
Hoje, a fermentação aeróbica e anaeróbica são dois dos rótulos mais populares aplicados a lotes de café fermentados experimentalmente. Há uma diferença principal entre os dois – a presença de oxigênio.
Fermentação aeróbica e anaeróbica
Com a fermentação aeróbica, o oxigênio é incluído no processo. Isso faz com que os açúcares nos grãos de café fermentam mais rapidamente quando em comparação com o processo anaeróbico.
No caso da fermentação anaeróbica, geralmente são usados grandes tanques vedados ou barris de plástico. Ele pode ser feito com as cerejas inteiras ou mesmo após elas serem lavadas. O processo costuma levar até 96 horas para ser concluído em alguns casos.
Como não há exposição ao oxigênio na fermentação anaeróbica, os microrganismos decompõem os açúcares a mais lentamente. Isso permite o desenvolvimento de sabores mais complexos. “Tanto o honey quanto os métodos de processamento anaeróbico resultam em cafés com sabor mais frutado, além de melhorar mais o corpo, especialmente quando comparados ao processamento lavado”, explica Tracy.
Maceração carbônica
A maceração carbônica é semelhante à fermentação anaeróbia e tem como diferencial a lavagem dos tanques com dióxido de carbono para a remoção completa de qualquer traço de oxigênio. Segundo Scott, os cafés de maceração carbônica são produzidos de maneira semelhante aos vinhos franceses Beaujolais. “Os sabores resultantes são muito frutados e semelhantes ao vinho, e às vezes apresentam notas florais, herbais e de frutas tropicais”, acrescenta.
Outros métodos de processamento experimental
Paralelamente a estes métodos, a fermentação láctica tornou-se mais popular nos últimos anos. Esta técnica é semelhante à utilizada para outros produtos alimentares fermentados (como pão de fermento natural e chucrute).
Com o café fermentado láctico, os produtores adicionam culturas de ácido láctico ao café à medida que fermenta. Tal como acontece com a fermentação anaeróbica, os cafés naturais lácticos e lavados estão se tornando mais populares. Esse tipo de fermentação geralmente resulta em uma sensação na boca mais cremosa, com mais sabores de iogurte.
Além disso, também temos algo chamado “fermentação dupla”, um método popular no Quênia. Nele, as cerejas são despolpadas e depois fermentadas em água por até 24 horas. A fermentação dupla normalmente resulta em cafés mais brilhantes e mais limpos, à medida que níveis mais altos de mucilagem são removidos.
Analisando a viabilidade dos métodos de processamento experimental
Naturalmente, há mais riscos envolvidos nos processamentos experimentais. Isso acontece porque é preciso controlar rigorosamente as variáveis, já que o café pode acabar fermentando demais e isso resulta em sabores indesejáveis.
“Quando realizado incorretamente, o processamento experimental pode produzir sabores de leite azedo, frutas podres ou vinho de baixa qualidade”, explica Scott.
Como resultado disso, muitos agricultores que realizam o processamento experimental o fazem em lotes menores, o que permite maior controle. No entanto, esse nível de controle de qualidade pode ser caro, especialmente para pequenos agricultores.
“As técnicas de processamento experimental podem ser trabalhosas, portanto, são mais caras de realizar”, diz Scott.
“Pela minha experiência, a maioria dos produtores tem uma boa compreensão de seus custos de produção antes de experimentar técnicas de processamento mais arriscadas – mas potencialmente mais economicamente recompensadoras -“, diz Tracy.
Scott concorda, dizendo: “Os agricultores com quem falei estão entusiasmados com qualquer tipo de inovação que possa resultar em um preço mais alto para seu café. “Se a produção de cafés anaeróbicos fermentados ou processados honey, por exemplo, pode fornecer aos agricultores mais acesso ao mercado, eles devem considerar fazê-lo”, acrescenta. “No entanto, eles também não devem parar de usar métodos de processamento mais tradicionais.”
Entendendo a segmentação
Além disso, os produtores devem reconhecer que, embora este mercado esteja a crescer, continua a ser relativamente pequeno e de nicho.
“Muitos dos fornecedores da Mercon estão interessados em métodos de processamento inovadores, mas apenas para uma pequena porcentagem de suas ofertas gerais”, explica Scott. Em vista disso, os produtores interessados em realizar mais fermentação no processamento do café devem testar em pequenos lotes primeiro.
Tracy enfatiza que a comunicação entre agricultores e torrefadores é essencial ao comprar cafés de processamento experimental. “A maioria dos torrefadores vende esses cafés como edições limitadas ou lotes mais exclusivos”, diz ele. “Quando um agricultor testa um novo método de processamento, ele precisa se comprometer a fazê-lo por alguns anos”, diz ele. “Eles precisam comunicar a técnica claramente ao torrador para saberem como comercializar e vender o café.”
Considerando a preferência dos consumidores
Com técnicas de processamento mais experimentais, resultando em perfis sensoriais diferentes dos cafés lavados e naturais, como as preferências dos consumidores podem mudar ao longo dos anos?
“Os bebedores de café mais tradicionais podem não apreciar os diferentes sabores tanto quanto os outros consumidores, pois podem acreditar que prejudicam as características inatas do café”, diz Scott.
Tracy diz que perfis de sabor mais fermentados podem ser um gosto adquirido para alguns consumidores.
“Eu uso a analogia do uísque escocês; alguns deles podem ser um gosto adquirido”, diz ele. “É a mesma mensagem para os torrefadores – certifique-se de entender o público-alvo desses cafés antes de comprá-los.”
No entanto, dentro do mercado de café especial não há dúvida de que o processamento experimental vem ganhando velocidade há algum tempo.
“Eles resultam em empolgação de baristas e clientes, embora seu apelo seja um pouco limitado”, diz Scott. “Consumidores mais tradicionais podem não querer uma xícara de café com qualidades de vinho e sabores de frutas tropicais. “No entanto, para aqueles que gostam desses cafés, eles estão geralmente dispostos a pagar preços mais altos”, acrescenta.
Embora o processamento experimental represente apenas uma pequena porcentagem da produção de café, não há como negar que está se tornando mais popular no setor de café especial.
“Os cafés processados experimentalmente podem ser verdadeiramente especiais e trazer novas características não descobertas dos cafés”, conclui Scott. Para os produtores que procuram escalar a este respeito, há claramente oportunidade de fazê-lo.
No entanto, eles devem primeiro garantir que tenham os recursos adequados para experimentar, começar em pequenos lotes e lembrar que, enquanto esse mercado está crescendo, ainda é pequeno por enquanto.
Gostou? Em seguida, leia nosso artigo sobre torrefação de café e métodos de processamento experimental.
Créditos das fotos: Mercon Coffee Group
PDG Brasil
Traduzido por Daniela Melfi
Observação: a Mercon é patrocinadora do Perfect Daily Grind.
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