Testando variedades híbridas de café sob condições adversas de cultivo
De acordo com uma pesquisa feita em 2016, nos próximos 30 anos, as alterações climáticas podem acabar com mais de 50% da terra adequada para plantação de café no mundo. Uma mudança como esta teria um enorme impacto sobre milhões de pequenos agricultores em todo o mundo, reduzindo a quantidade de terra adequada para o cultivo de uma colheita de grande importância financeira.
Assumindo que os efeitos do aquecimento global não irão reduzir, a única solução é desenvolver variedades de arábica que prosperem em condições mais diversas. Entretanto, até o momento, as possibilidades são bem limitadas.
Como resultado, através do projeto Breeding Coffee for Agroforestry Systems (BREEDCAFS), pesquisadores de café estão trabalhando junto com um grupo de 17 parceiros do mundo todo. Estão cavando em terras na Nicarágua, México, Camarões e Vietnam, cultivando plantas em laboratórios com ambientes controlados na Dinamarca, França e Portugal, e consultando pesquisas científicas existentes para saber mais sobre variedades adequadas.
Para saber mais, falei com as pessoas envolvidas nestes testes. Continue lendo para saber como são feitos os “testes de impacto” quanto à resistência de diferentes variedades às alterações climáticas.
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Plantas de café cultivadas em barris sob sombra artificial em Nicarágua
MITIGANDO O IMPACTO DAS ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS
Sophie Ladran é uma fisiologista molecular que se especializou em café e trabalha no CIRAD. Ela diz: “Os nossos esforços combinam experiências detalhadas, controladas em laboratórios, e um rigoroso trabalho de campo para avaliar como certas variedades, e especialmente os novos híbridos de arábica, respondem às alterações climáticas.”
Para lidar com o impacto das alterações climáticas, as variedades futuras devem ser capazes de sobreviver em condições ambientais mais exigentes, incluindo secas severas, temperaturas extremas elevadas e níveis mais altos de CO2.
No entanto, com as variedades existentes, os produtores já podem começar a cultivar plantas de café sob a sombra de árvores mais altas usando técnicas agroflorestais.
As vantagens ecológicas do café cultivado em sombra já são consideradas pelo setor há algum tempo. Jean-Christophe Breitler é um pesquisador de café arábica que trabalha com o CIRAD. “As plantas [de café] ficam melhor sob as árvores”, explica. “Isto se deve ao fato da água estar mais disponível e as temperaturas serem mais baixas.”
Embora o cultivo de cafés à sombra geralmente forneça ao produtor um clima mais favorável, o rendimento pode cair em até 40%. Isto pode ser explicado pelo fato que as plantas de café cultivadas hoje, em geral, originam de plantas adaptadas a condições de sol intenso, ao invés de sombra.
Sophie conta que um dos principais objetivos do projeto BREEDCAFS é selecionar e testar variedades adequadas aos sistemas agroflorestais, em termos de qualidade e produtividade.
Para encontrar os cafés apropriados, Jean-Christophe diz que os investigadores estão avaliando variedades diferentes através de testes de campo na Nicarágua, no México, em Camarões e no Vietnã. As plantas cultivadas na fazenda são avaliadas e seu desempenho agronômico é avaliado através de vários fatores, incluindo crescimento, rendimento, composição bioquímica e qualidade da copa.
No México, Nicarágua e Camarões, ele diz que pesquisadores estão testando variedades de arábica híbridas e cultivos locais sob cobertura de sombra leve e intensa, em uma variedade de altitudes. Os resultados estão sendo usados posteriormente para programas de melhoramento e seleção de variedades híbridas de alto rendimento para sistemas agroflorestais.
Uma rede de sombra cobrindo as plantas de café em Finca La Cumplida, Matagalpa, Nicarágua
Na Nicarágua, Jean-Christophe diz que pesquisadores estão especificamente analisando os efeitos do aumento da temperatura na maturação dos frutos, densidade do grão e qualidade da xícara.
Nestes ensaios, ele especifica que as plantas de café são cultivadas em barris de 200L, em diferentes altitudes e temperaturas; plantas cultivadas a 1.500 m.a.s.a. (metros acima do nível do mar), por exemplo, são geralmente expostas a temperaturas em torno de 5 ° C abaixo das de 750 m.a.s.a.
Jean-Christophe conta que a equipe na Nicarágua está coletando uma grande quantidade de informações durante estes ensaios. Ele diz que isso inclui características que são visíveis na própria planta (como altura, tamanho da cereja, rendimento de frutos, e assim por diante). No entanto, essas informações também incluem genética vegetal, composição bioquímica dos grãos e qualidade da xícara, todas as quais permitem que os pesquisadores entendam melhor os mecanismos moleculares por trás da qualidade do café.
No Vietnã, Pierre Marraccini, pesquisador do CIRAD, e o estudante de doutorado do CIRAD-ECOM, Thuan Sarzynski, estão estudando como as plantas se adaptam às condições de seca em sistemas agroflorestais.
Pierre e Thuan expuseram as mesmas variedades de arábica a uma série de regimes hídricos (como irrigação, precipitação normal e exclusão de água a 30%) e, posteriormente, registraram os mesmos dados durante períodos secos e úmidos.
Pierre diz que, embora a sua equipe avalie o desempenho das diferentes variedades híbridas quando sujeitas a tensões hídricas, a equipe também foca na capacidade das variedades se recuperarem quando o stress provocado pela seca passar. No campo de pesquisa agrícola, este é o significado de “resiliência”.
Teste de exclusão de água em Son La, Vietnã
TESTES DE IMPACTO EM PLANTAS DE CAFÉ EM LABORATÓRIOS
Os ensaios de campo são o mais próximo que podemos chegar às condições do “mundo real”. No entanto, Sophie explica que é difícil estudar e entender o efeito de um parâmetro específico no campo, devido a interação com muitos outros fatores ambientais flutuantes. Assim, se torna difícil identificar que parte da resposta da planta está associada a determinada mudança climática.
Sophie diz que a equipe do CoffeeAdapt, no CIRAD em Montpellier, está estudando o efeito da mudança climática em plantas de café, com foco nos danos causados pelo o aumento da temperatura. Embora as alterações climáticas estejam frequentemente associadas à elevação média da temperatura, elas também irão causar ondas de calor mais frequentes e intensas.
Sophie diz: “Usando câmaras de cultivo configuradas com condições ideais de crescimento (luz, temperatura, umidade, CO2e assim por diante) e variando apenas um parâmetro, podemos discriminar efeitos específicos, destacar variedades tolerantes ou resistentes e identificar mecanismos moleculares envolvidos na resposta adaptativa ao estresse.
“Estas câmaras são ferramentas poderosas que nos permitem imitar as condições do campo, evitando variações no clima (como vento, chuva, nuvens) e também pragas e doenças”, Sophie explica. “Neste exemplo, utilizamos as câmaras de cultivo para imitar uma onda de calor. Os cafeeiros híbridos arábica foram expostos a temperaturas de 42 ° C por dez dias consecutivos. Durante esse período, coletamos amostras e dados todos os dias”.
“Notamos os primeiros sintomas de queima nas folhas após três dias. Agora planejamos testar outras variedades para encontrar no futuro algumas plantas resilientes e para identificar algumas que são mais resistentes às tensões térmicas.
“Na verdade esta experiência foi conduzida alguns meses antes da verdadeira onda de calor ter danificado outras plantações em Junho de 2019, na Europa. O nosso pior cenário previsto não estava tão longe da realidade!”
Uma câmara de cultivo em Portugal para testar os níveis de CO2
Além de Sophie e da sua equipe em Montpellier, em Portugal, José C. Ramalho, pesquisador doutorado da Escola de Agricultura da Universidade de Lisboa, está testando a resiliência das plantas de café nas condições ambientais futuras previstas.
“[Nestas câmaras], pode-se ver o que acontece, que mudanças ocorrem na célula, na planta, sob altos níveis de CO2, sob seca, calor, frio … tudo o que for necessário”, diz ele. “Acreditamos que os níveis de CO2 continuarão a aumentar muito nos próximos anos.”
Assim, ele diz que está organizando experimentos para testar o estresse em plantas com “altos níveis de CO2, diferentes temperaturas e diferentes níveis de disponibilidade de água”.
Ele diz que não é claro como as plantas vão responder, mas observa que em algumas condições, as projeções esperam que certas variedades tenham um desempenho até melhor do que normalmente teriam. José diz: “Se conseguirmos um CO2 mais elevado sem aquecimento, [algumas] plantas produziriam mais.”
Em geral, a Universidade de Lisboa e os pesquisadores do CIRAD esperam que os novos híbridos de café, que estão testando, tolerem e se adaptem a condições ambientais cada vez mais agressivas, incluindo níveis de CO2 mais elevados, menos água e mais calor. No entanto, José diz que estão particularmente interessados num “ponto de inflexão” onde “a aclimatação e a adaptação já não são possíveis”.
Na Universidade de Copenhague, os pesquisadores também estão utilizando as suas instalações para cultivar café em condições controladas. Anders Raebild e Athina Koutouleas são dois eco fisiologistas interessados na adaptação à intensidade de luz.
Nesses ensaios, Anders e Athina estão imitando as diferentes densidades de árvores de sombra que os produtores de café encontram naturalmente quando cultivam plantas em um sistema agroflorestal. Eles cultivam híbridos de arábica, junto às plantas antecessoras, sob cinco níveis diferentes de luz, e posteriormente medem sua capacidade de fotossíntese, taxas de crescimento e desenvolvimento de cereja, bem como a expressão genética que destaca cada uma dessas características.
“Apesar das condições de pouca luz que temos aqui no norte global, conseguimos cultivar plantas de café produtoras de cerejas em um momento semelhante ao seu desenvolvimento natural em ambientes tropicais, mesmo que só alguns grãos, suficientes para duas xícaras de café “, diz Athina. “Podemos muito bem ser as únicas pessoas a estar cultivando muito bem o café na Dinamarca neste momento.”
Plantas de café em estágios variados de dano de folha, após o stress do calor em câmaras de cultivo
ANÁLISE DE DADOS DE ENSAIOS DE CAMPO E CÂMARA DE CULTIVO
Os dados dos ensaios de campo e de câmara de crescimento acabam chegando até Marcus McHale, pesquisador de pós-doutorado na Universidade da Irlanda, em Galway. Todos os dados registrados são armazenados no banco de dados BREEDCAFS que Marcus desenvolveu. Até agora, mais de 16,000 árvores foram listadas e marcadas individualmente com um código específico.
Em primeiro lugar, para o trabalho de Jean-Christophe e Pierre nos ensaios de campo ao ar livre, Marcus registra todas as características mensuráveis das plantas de café (tais como diâmetros das hastes, tamanhos das folhas, etc.). Ele então prevê, correspondentemente, quais traços físicos podem estar associados a um resultado positivo.
Marcus diz: “Por exemplo, neste momento, estamos predizendo traços associados à produtividade, como altura ou diâmetro do tronco.”
Isto é valioso para um fazendeiro. “Se me der dados sobre 10,000 indivíduos [plantas], posso sequenciá-los e dizer imediatamente quais têm o valor mais elevado”, diz Marcus. Após analisada, esta informação é passada para os pesquisadores, que cultivam estes cafés selecionados para a próxima geração de plantas experimentais.
À medida que as plantas crescem, produzem frutos e oferecem mais dados, esta informação é inserida no modelo para torná-lo mais preciso. No entanto, Marcus acrescenta que muitas vezes não fica claro por que um determinado atributo físico em uma planta pode ser correlacionado com maior rendimento – apenas sabemos que é.
No entanto, acrescenta que, com as informações dos ensaios em câmaras de cultivo, é possível compreender que gene específico ocasiona qual propriedade desejável (por exemplo, maior rendimento) utilizando a análise transcriptômica, um método que analisa a composição genética de uma planta. Fornecendo assim, de forma efetiva, uma “imagem” de todos os genes relevantes, num determinado momento.
No final dos experimentos realizados em câmaras de cultivo, as plantas são cortadas, rapidamente congeladas em nitrogênio líquido, e enviadas para laboratórios especializados para sequenciação do genoma e análise bioquímica.
Marcus então analisa estes dados de forma semelhante. Ele diz que, por exemplo, existem dados que sugerem uma ligação genética ao tamanho das aberturas microscópicas nas folhas de uma planta de café que lhe permitem “respirar”.
Em teoria, os produtores de café poderiam então identificar este gene específico e fornecê-lo aos produtores em climas mais desafiadores, como os que têm níveis de CO2 muito mais elevados. Estas plantas serão então, hipoteticamente, mais capazes de lidar com o impacto das alterações climáticas.
Colhendo grãos de café no Vietnã para um teste altitudinal
Ao combinar experiências de campo e testes em condições controladas, os pesquisadores conseguiram estudar plantas de café e como é que certas variedades são capazes de reagir ao impacto das alterações climáticas. Isto abrange desde o comportamento de cafeeiros em sistemas agroflorestais até a expressão genética de certas características desejáveis ou indesejáveis.
Pesquisadores do BREEDCAFS consideraram as necessidades dos agricultores durante todo o curso deste projeto. Buscaram o seu feedback sobre variedades específicas através de pesquisas em todos os países envolvidos, bem como alavancando as expectativas dos consumidores de café. Em todos os testes de campo, as amostras foram posteriormente enviadas para torrefações locais ou europeias (incluindo Illycafè) para avaliar a qualidade da xícara.
Apesar dos desafios que o setor cafeeiro enfrenta em relação às mudanças climáticas, este projeto amplo e abrangente está trabalhando rumo a uma solução. As partes interessadas envolvidas têm esperança de que as variedades irão emergir deste projeto e oferecer aos consumidores perfis de copa de alta qualidade, juntamente com um rendimento e uma resiliência melhorados para o produtor. Se for este o caso, os produtores de café poderão aumentar a sua segurança financeira a longo prazo e, esperamos, ser capazes de atenuar o impacto das alterações climáticas na sua forma de subsistência.
Traduzido por Daniela Andrade
Crédito das imagens: Benoît Bertrand, Jean-Christophe Breitler, Sophie Léran, Pierre Marraccini, Thuan Sarzynski
PDG Brasil
Nota: Este artigo foi originalmente patrocinado pela CIRAD
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