16 de dezembro de 2022

Como tornar a lavoura mais resiliente contra as mudanças climáticas?

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A crise do clima está batendo à nossa porta. É geada, é seca, é granizo, é nuvem de poeira, é chuvona… E quem produz café, cultivo bastante afetado nos últimos anos, precisa rever algumas práticas para deixar sua lavoura resiliente, com mais força para resistir às mudanças climáticas.

Mas como fugir dos efeitos dos eventos climáticos extremos sem prejudicar ainda mais a natureza? Não adianta nada buscar solução em ações que poluem o ambiente com grandes emissões de gases do efeito estufa, como ampliar o cafezal derrubando florestas ou aumentar a produtividade recorrendo a fertilizantes químicos.  

As soluções muitas vezes estão na própria natureza e até podem reduzir o custo de produção, com a melhor gestão da propriedade e com maior valor agregado ao produto, contribuindo com a rentabilidade do negócio café.  

Para aprofundar esta conversa e entender melhor essas soluções, o PDG Brasil entrevistou produtoras que já vivenciam práticas regenerativas e outras formas de manejo sustentável em seus cafezais, e também com especialistas, que apresentaram uma visão mais técnica e dicas interessantes para quem quer conduzir seus cafeeiros de forma mais sustentável e resiliente. Siga lendo para saber o que eles disseram.

Você também pode gostar de ler A importância das certificações e das práticas ESG hoje.

Vista do pôr-do-sol em uma fazenda de café

Impactos das mudanças climáticas na produção de café de qualidade

A produção de alimentos é profundamente afetada pelas mudanças climáticas. Não à toa, o tema é um dos destaques da agenda de desenvolvimento sustentável da ONU (Organização das Nações Unidas). Para cafeicultores e cafeicultoras do Brasil, está ficando cada vez mais claro esse impacto.

Em 2021, geadas intensas em regiões produtoras de café, que chegaram a até -4ºC, causaram a perda de lavouras inteiras. No mesmo ano, uma extensa seca acometeu os cafezais, reduzindo a possibilidade de recuperação dos cafeeiros e ocasionando perdas de até 25% na produção da safra seguinte.

Vale lembrar que as ocorrências climáticas extremas, como as geadas, as secas, as altas temperaturas, incêndios e chuvas em intensidade nunca vista, também contribuem para a severidade de pragas e doenças, pois favorecem o desenvolvimento e a disseminação de agentes patogênicos.

A produtora Isabela Pascoal Becker é Diretora de Desenvolvimento Sustentável da Daterra Coffee há cinco anos. A fazenda, localizada na região do Cerrado Mineiro, cultiva cafés sustentáveis e possui um centro de pesquisa integrado e uma produtora de mudas e árvores do Cerrado.  

Com 7.200 hectares distribuídos entre as cidades de Franca (SP) e Patrocínio (MG), a Daterra foi a primeira fazenda certificada pela Rainforest Alliance do Brasil e vencedora do “Prêmio Fazenda Sustentável 2015”, da Revista Globo Rural, sendo considerada a fazenda mais sustentável do Brasil. Além de outras certificações, a Daterra conquistou ainda inúmeras premiações de qualidade e sustentabilidade.

A atuação da empresa em relação à sustentabilidade é percebida também internacionalmente, com o reconhecimento de baristas campeões, cafeterias e torrefações de diversos países, que adquirem os cafés da marca e contribuem com seus projetos de sustentabilidade.

Para Isabela, os desafios climáticos para o cultivo de café são percebidos claramente. “Sem dúvida! O que sentimos (e não é só no Cerrado) são os picos, a intensidade do clima. São extremos muito sérios, de temperatura, de chuvas… A seca e a geada em um mesmo ano nunca haviam acontecido como em 2021”, conta.

Diretora da também premiada Fazenda São Sebastião, em São Tomé das Letras (MG), Catarina Kim tem a mesma percepção. Responsável pela gestão da propriedade de 1.500 hectares há quatro anos, Catarina sente o impacto do clima na sua produção de café. Mas vê os desafios como oportunidade de mudança.

“A seca e a geada do ano passado foram marcantes. Ficou claro que precisamos mudar o manejo de forma gradativa e planejada para evitar um impacto econômico negativo”, afirma.

Ela conta que, na São Sebastião, começou a modificar as plantas de cobertura e a usar mais produtos biológicos há alguns anos. Foram os primeiros passos de um cultivo mais sustentável. Hoje a propriedade conta com 600 hectares de área preservada. Além disso, as nascentes foram cercadas, o manejo do café está sendo feito cada vez com mais produtos biológicos e plantas de cobertura e foram instaladas placas fotovoltaicas para a captação de energia solar.  

Tudo foi parte de um longo processo na busca pela certificação de sustentabilidade. Desde 2018, a São Sebastião conta com a certificação Rainforest Alliance e, mais recentemente, obteve a certificação de café orgânico (em uma área de 7 hectares).

Maquinário de uma fazenda de café em meio a flores

Certificações podem contribuir no enfrentamento à crise do clima?

Mais que apenas um selo nas embalagens, as certificações ganharam um papel essencial nesse contexto de crise climática.

Responsável pelo suporte às certificações da Rainforest Alliance e doutor em Agricultura Tropical e Subtropical, o engenheiro agrônomo Guilherme Petená explica que todas as práticas de manejo agrícola aplicadas na lavoura podem influenciar na resiliência das plantas cultivadas às mudanças climáticas.

“Entender as ecologias, os ciclos e as necessidades específicas de cada cultura para regiões particulares nos permite manejar os ecossistemas agrícolas de forma a favorecer equilíbrios naturais e, consequentemente, manter condições favoráveis para o cultivo”, afirma.

Na mesma linha, a Gerente de Negócios Sustentáveis da Rainforest Alliance, Giovanna Escoura, diz que: “a Rainforest Alliance apresenta propostas de manejo sustentável desde a implementação das lavouras até a colheita que, de maneira conjunta e integral, contribuem para tornar a produção resiliente às mudanças climáticas”.

Catarina considera que a busca pelo reconhecimento das certificadoras provoca uma mudança interna nas empresas rurais. “Com as exigências da certificação vamos modificando nossas práticas, ajustando-as cada vez mais para caminhos sustentáveis”, explica.

“Vejo alguns produtores reclamando, mas todas as mudanças que são propostas pelas certificadoras fazem sentido quando você pensa em um manejo mais harmonioso com a natureza e com os seres humanos. Até hoje nada que nos pareceu sem sentido ou impossível de realizar”, diz Catarina, compartilhando sua experiência na Fazenda São Sebastião. 

Giovanna destaca que a Rainforest Alliance fornece também caminhos para que pessoas que não trabalham no meio agrícola façam parte desse desafio de regeneração do planeta. “Ao comprar e consumir os produtos certificados, os consumidores nos impulsionam a aumentar nossa atuação”, conta.

“Com o aumento do consumo de produtos certificados, os consumidores compartilham a responsabilidade por uma agricultura sustentável e proporcionam aos produtores mais oportunidades de realizar cada vez mais práticas sustentáveis e em ganhar uma vida digna a partir da terra. É um caminho conjunto, unindo o campo e as famílias consumidoras, para assim garantir a sustentabilidade das cadeias produtivas de café e outras culturas.”

Trabalhadora de uma lavoura, segurando uma peneira com cerejas de café

Pioneirismo e vivência diária

Empresa pioneira na conquista da certificação no Brasil, a Daterra pode ser considerada uma empresa visionária quando se trata de questões ambientais. Isabela conta que no final dos anos 90, a empresa já tinha parceria com a ESALQ (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz/USP) para o desenvolvimento de um protótipo para um protocolo de adequação ambiental. Em seguida, conheceram a Ecocert que viria a ser a origem da Rainforest Alliance. “Nosso processo com a Rainforest começou então em 2001 e foi finalizado em 2003, com a conquista da primeira certificação”, conta Isabela.

A produtora recorda que, por muitos anos, houve críticas de pessoas do mercado a essa postura. “O pessoal falava que estávamos sendo ‘bobos’, ‘gastando dinheiro à toa’”, lembra. Segundo Isabela, inclusive alguns colaboradores tinham dificuldade de entender que no início o cafezal produziria menos no início e que isso fazia parte do processo. “Não concordaram e saíram”, diz.

Os desafios só fizeram fortalecer a empresa, que sempre teve a sustentabilidade total como meta. “O maior benefício da certificação é a coerência com a nossa visão do papel que um negócio agro tem para o planeta e para o mundo”, afirma Isabela Pascoal.

“A percepção do cliente ajudou a sedimentar o alicerce para uma relação de extrema confiança que sentimos até hoje, principalmente durante e no pós-pandemia. Essa construção se faz aos poucos, mas é de extrema solidez.”

Já a Fazenda São Sebastião conquistou a Rainforest Alliance em 2018. Catarina Kim conta que a conquista da certificação Rainforest Alliance foi um processo longo e gradativo: “Queríamos adotar as boas práticas na fazenda e optamos pela certificação que todos diziam ser a mais exigente”. 

“No início foi bem desafiador porque era tudo muito novo para todos da fazenda, tanto para a equipe de gestão quanto para os colaboradores. Lembro que até na festa do fim do ano, depois de recebermos o certificado, a equipe quis fazer um discurso querendo parabenizar a todos porque conseguimos a Rainforest Alliance”, recorda.

Catarina diz: “depois de conquistar a certificação, a cada ano foi mais tranquilo porque nos apropriamos da prática no dia a dia, vivemos a certificação durante os 365 dias do ano”. “Ajudou muito a organizar todos os processos, nos ensinou a registrar tudo e analisar os dados.”

Consultores e produtora em meio à lavoura

Tanto para as produtoras entrevistadas, quanto para os especialistas, uma das grandes vantagens de buscar uma certificação é a implementação de boas práticas e técnicas de manejo sustentáveis. Conheça algumas delas que contribuem especificamente para tornar as lavouras de café mais resilientes às emergências climáticas abaixo.

11 iniciativas para tornar as lavouras de café mais resilientes às mudanças climáticas

  • Cultivar variedades mais resilientes
  • Investir em captação de água e estocagem ao longo do ano
  • Investir em irrigação
  • Paisagismo intencional com área de produção, corredores biológicos, área de florestas e quebra-ventos, para garantir um microclima com uma temperatura mais amena
  • Plantio de árvores e sombreamento do café
  • Plantas de cobertura
  • Fortalecimento do solo por meio de biomassa, culturas variadas, melhorando sua estrutura física e química e, dessa forma, melhorando sua microbiologia
  • Aumento do uso de produtos biológicos e adubos orgânicos
  • Cercamento de nascentes e preservação das áreas verdes das propriedades 
  • Não desmatar
  • Monitoramento efetivo de pragas e doenças para uma ação efetiva e pontual nas lavouras de café 

Algumas práticas propostas pela certificação da Rainforest Alliance apresentam efeitos mais relevantes para a resiliência das lavouras às mudanças climáticas, ou ainda para a mitigação das mudanças climáticas geradas pela agricultura. Conheça a seguir o porquê:

  • Fertilidade e conservação do solo

O cultivo certificado precisa realizar análises de solo e/ou foliares frequentes, com as quais deve ser feito um planejamento das medidas de manejo. Assim, é possível aplicar fertilizantes na dose, local e período ideal, evitando desperdícios. O cultivo certificado deve utilizar, sempre que disponível, primeiramente fertilizantes orgânicos, utilizando os químicos quando necessários para suprir as exigências nutricionais das plantas. Adicionalmente, o solo da área produtiva não é deixado exposto, mas é protegido por coberturas de solo.

  • Fertilizantes químicos

Os fertilizantes químicos representam cerca de 10% das emissões globais de gases do efeito estufa. Práticas de manejo visando boas práticas do uso de fertilizantes podem reduzir a emissão de óxido nitroso (importante fator de aquecimento global) pela maior eficiência do uso de adubos nitrogenados e, ainda, favorecem o desenvolvimento adequado das plantas (tanto anatomicamente como fisiologicamente) aumentando a resistências a estresses climáticos.

  • Manejo integrado de pragas

O manejo integrado de pragas consiste na aplicação de diversas práticas que tornam as lavouras mais resistentes ao ataque de agentes fitopatogênicos. Inclui o plantio de variedades resistentes, o manejo equilibrado da fertilidade do solo, a implementação de barreiras físicas contra a entrada dos agentes patogênicos, a expansão de ecossistemas naturais para aumentar a população de inimigos naturais, o controle biológico e o monitoramento das pragas para aplicação defensivos alternativos ou químicos na hora, local e dose corretos. Dessa maneira, podemos favorecer condições para as plantas desenvolverem corpos mais resistentes contra a ação desses organismos, além de evitar o uso excessivo de pesticidas. 

“Considerando que as mudanças climáticas podem alterar hábitos e intensidades de pragas, iniciar movimentos de introdução de manejo integrado de pragas se mostra como prática essencial para a maior resiliência das lavouras às mudanças no clima”, explica o engenheiro agrônomo Guilherme

  • Florestas, outros ecossistemas naturais e áreas protegidas

As florestas, outros ecossistemas naturais e áreas protegidas não podem ser convertidas em produção agrícola. A queima de florestas por si só é responsável por emitir grande concentração de CO2 para a atmosfera. Além disso, a alteração feita no ecossistema gera desequilíbrios de umidade (aumento de temperatura e diminuição de chuvas), estresse climático que reduz a fotossíntese das plantas – processo fisiológico que captura CO2. Assim, o desmatamento não apenas emite enorme quantidade de gás carbônico na atmosfera, mas também diminui a capacidade das florestas de capturar esse gás.

Frutos maduros de café na palma de uma mão, em meio ao cafezal

Outros benefícios da certificação na produção do café

No artigo “Benefícios da Certificação do Café para os Produtores e Consumidores”, os pesquisadores Paula Andrea Alves Duarte e João Batista Ferreira explicam que os benefícios das certificações são inúmeros e impactam diferentes esferas da sociedade: os produtores, os consumidores, a sociedade atual e a sociedade futura.  

Os pesquisadores se basearam em 14 estudos científicos que abordavam a importância das certificações e identificaram os benefícios e desafios da implantação na cafeicultura. Entre os diversos benefícios listados, estão:

Para os produtores e as produtoras rurais

  • Promove agregação de valor na comercialização
  • Aumenta a competitividade do produto e a qualidade percebida pelo cliente, facilita a entrada da marca em mercados mais exigentes
  • Diferenciação ao produto, e consequentemente vantagens competitivas ao negócio
  • Colabora com a produção de cafés, contribuindo na melhoria da renda da atividade cafeeira
  • Aumento da produtividade por intermédio da profissionalização da gestão
  • Estratégia de diferenciação e consequentemente criação de valor devido à melhoria da qualidade do produto e melhor preço recebido
  • Tem efeitos positivos sobre as práticas administrativas da propriedade, sobre a qualidade final do produto, sobre a produtividade e sobre a adoção de tecnologias nas propriedades cafeeiras

Para os consumidores

  • Redução e melhor uso de agroquímicos
  • Obtenção de informação sobre o produto e sua qualidade
  • Compra de produtos de qualidade
  • Acesso a novo nicho de mercado, através da diferenciação dos produtos proporcionando maior valor agregado
  • As certificações transmitem informações aos consumidores que garantem que a empresa respeita um padrão específico de qualidade de processo de produção e/ou de padrão de qualidade de produto

Para a sociedade atual e a sociedade futura

  • Adoção de práticas de cultivo mais sustentáveis
  • Aumento da biodiversidade
  • Proteção à vegetação nativa, biodiversidade e recursos hídricos
  • Redução da contaminação ambiental
  • Impactos sobre o bem-estar do trabalhador: condições de contratação, moradia e segurança no trabalho, treinamentos
  • Maior nível de adoção de inovações tecnológicas e geração de inovação social
  • Produzir café sem comprometer a capacidade das gerações futuras
Certificadores em meio à lavoura

Nas linhas acima, pudemos conhecer várias iniciativas relacionadas à certificação de sustentabilidade das lavouras de café e como a busca por esse reconhecimento pode trazer benefícios para os negócios rurais. 

Para a produção de café ser sustentável em toda a sua globalidade, ou seja, socialmente, economicamente e ambientalmente, é essencial que busquemos essas alternativas de manejo que tornem o cultivo resiliente, mas que, ao mesmo tempo, contribuam com esse olhar mais cuidadoso com as pessoas e com todo o planeta. 

Créditos das imagens: Fazenda São Sebastião e Fazenda Daterra

Observação: A Rainforest Alliance é uma patrocinadora do PDG Brasil

PDG Brasil

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